“As Estações”, de Artavazd Peleshian
from Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro
Os sons, seja música, seja os da natureza, unidos às imagens, transmitem tensão, contradição e coexistência (ou harmonia), entre o homem e a natureza, entre o homem indivíduo e o homem coletivizado.
A Natureza em seu esplendor e grandiosidade parece tentar sempre esmagar o ser humano, que também, não esqueçamos, é parte, ainda que transformadora, dela. Por sua vez, os seres humanos são apresentados em seus esforços para dominá-la, ou ao menos sobreviver.
A vila, um pequeno enclave numa das montanhas de uma cordilheira, mostra o humano coletivo (existe humano não coletivo?) transformando o ambiente, usando seus recursos, domesticando animais para sustentá-lo e servi-lo, nas mais duras condições climáticas.
O diretor nos mostra como essa pequena e solitária vila, não está isolada de toda a humanidade, quando apresenta o comboio que leva os rebanhos de carneiros e bovinos. A modernidade aparece na infraestrutura: a estrada e o túnel, reforçados pelos caminhões, carros e ônibus, que se rendem ao comércio e traslado ancestrais dos rebanhos.
Mesmo no momento em que o jovem casal está na festa (provavelmente na cerimônia) de casamento, são levados pela multidão, até mesmo no preparo. A noiva, triste, o noivo por vezes indiferente, por vezes sorrindo, é mostrado em uma sequência que nos dá a entender que ao menos ele terá duas faces em sua vida: o casamento, e a luta pela sobrevivência, contra a Natureza, seja na monotonia dos comboios, seja no divertido transporte de animais desgarrados, por terra, água e neve.
Até mesmo os cães nos apresentam um grau de contradição, com um sendo levado, protegido da chuva e do frio, junto a um cavaleiro; já outro, amarrado e caminhando na beira da estrada.
A festa, como mostrada, é da vila, não dos noivos…
O bailar da ceifa sincronizado, contrasta com o transporte da massa orgânica, em geral instável e montanha abaixo, num misto de controle e aceitação das circunstâncias. Em alguns momentos nos vemos juntos dos trabalhadores com a câmera muito perto e trêmula, mas no geral, apenas observadores.
Jovens, velhos, homens, mulheres, animais… As mulheres aparecem apenas na festa, ou nos preparativos.
O ciclo é construído e fechado nos lembrando da repetição das estações, dos afazeres, da vida. O diretor documenta de fato um viver humano, disfarçando sua manipulação, que se dá pela escolha dos atos, suas repetições, nos permitindo, ainda que limitadamente, um olhar mais amplo do normalmente um documentário nos dá.