Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro

Parêmias nem tão pequenas, nem tão profundas, sobre a sociedade capitalista

Desenho criado com o bing, a partir do prompt "desenho militar de policiais se posicionando em uma manifestação popular preparando um cerco"

A política, por parte da burguesia, depende de ações armadas, ideológicas, econômicas. E a política mediando o controlável, e coordenando os objetivos.

Uma experiência marcante

Uma manifestação em Curitiba, há muitos e muitos anos marcou-me muito, não pela repressão, mas pela preparação da repressão. Não lembro quem era o governador, ou qual a questão. Eu tinha anotações detalhadas da situação, especialmente em relação ao aparato militar ali presente, mas de mudança em mudança, perdi o manuscrito (se alguém tiver uma cópia, por favor, me chama). Mas eram tempos de luta contra a ALCA e privatizações, e por melhores condições de trabalho para os funcionários públicos estaduais. MST e APP Sindicato estavam extremamente atuantes.

Tinha muita polícia. Tanta polícia que todos e todas da escola de formação da PM estavam lá. E a pressão apenas da multidão que estava em frente ao palácio do governo estadual, fazia com que víssemos a maioria dos PMs em treinamento chorando, mantendo sua posição como carne de terceira a ser descartada, se algo desse errado.

Atrás das colunas de soldados, transmissão ao vivo da manifestação que estava prestes a ser dispersada a sangue, pela afiliada local da Globo, a terrível RPC (Rede Paranaense de Comunicação), controladora do jornal Gazeta do Povo, àquela época, impresso, e um jornal de verdade, embora já com suas conhecidas tendências.

Perto do Governo Estadual estão os prédios da Assembleia Legislativa e Justiça Estadual. Muito gramado, área de estacionamento entre as construções, e uma grande praça à entrada principal.

Em frente à assembleia, estava eu encostado e à sombra com a companheirada :). Muito discretamente, uma coluna de soldados da PM veio esgueirando-se e tomou posição entre as pessoas e a grade.

Desalojado da sombra, resolvi explorar o terreno da operação. Dei uma volta pela fileira dos PMs em formação e cheguei aos fundos do palácio do governo. Entrei em um jardim lateral, por uma escada e me deparei com policiais guiando cães e com armamento pesado. Fiquei observando e não se ligaram na minha presença.

Desci e fiz o contorno da outra lateral pra chegar novamente à entrada principal. Dei de cara com todos os grupamentos especiais da polícia, civil e militar. Estavam em uma espécie de concentração, aguardando ordens.

E aí o mais interessante: o assunto era que “essas pessoas estão aí pra uma coisa justa”, que iria beneficiá-los também. Nesse tempo, as esposas de cabos e soldados eram muito ativas na denúncia e agitação das reivindicações de seus esposos, participando inclusive, em algumas manifestações com faixas e intervenções nos carros de som.

Também era recente o movimento de PMs em Santa Catarina, em que poucos comunistas estavam no efetivo e levantavam pautas importantes dos soldados, num movimento que quase resultou em greve.

Nessa manifestação (em que não houve confronto, apesar da gigantesca preparação militar para que tal ocorresse), consolidou-se em mim a necessidade de direcionar palavras de ordem aos agentes da repressão, ao invés de apenas xingá-los.

Uma lembrança trágica

Em outra manifestação, ainda no “Centro Cívico”, na dispersão, as ruas não estavam liberadas para carro ainda, um camarada estava caminhando para ir embora, tranquilo, e a última coisa que ele escutou foi “é esse aí”. O camarada foi cercado por um grupo de policiais militares e espancado, até o ponto de ficar largado no chão com traumatismo craniano. Ação rápida e direcionada, e eu arriscaria, planejada. Foram alguns meses de agonia para todos nós e sua família, até a recuperação.

Alesp

Na luta contra a privatização da SABESP, na cidade de São Paulo, militantes da UP/PCR são espancados, e três são presos. Dessa vez, a manifestação segue com palavras de ordem dentro da assembleia, mas do nada, vê-se uma coluna de PMs passando ao lado dos manifestantes e posicionando-se do outro lado de uma proteção entre o plenário e o espaço ocupado pelos manifestantes.

Corta! Num movimento muito rápido, os policiais estão em formação, de frente para os manifestantes, sem qualquer separação. Começam a espancar os mais próximos, causando a confusão necessária para construir uma base jurídica para os atos seguintes de lawfare, e tentar justificar a repressão.

Concluindo

Precisamos estar preparados, não podemos mais nos deixar ser pegos por essas ações assertivas e precisas da repressão. Elas são fruto de um longo acúmulo e treinamento, e devemos também estudar e treinar para não apanhar e garantir as ações que nos propomos.

A máquina militar burguesa, além da repressão direta a greves e protestos, tem seus treinamentos nas periferias das grandes cidades. Veja-se o que o governador Tarcísio está promovendo na baixada santista. É mais um laboratório para grandes ações de incursão, captura e execução.

Basicamente, esquadrões da morte formados exclusivamente por pessoal concursado e fardado.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Imagem gerada pelo bing create, com um contexto sobre debate na china estilo impressionista

Historinha

Uma aflição se abateu sobre mim, em relação à China. À pergunta “A China é socialista?”, entrei com os dois pés dizendo que sim. (sem contar suas variantes sobre capitalismo de estado ou imperialismo). Mas fiz isso, principalmente, por levar em conta o fator humano. O debate é sempre muito abstrato. Essa tal China, o que é? Esquecemo-nos das pessoas, dos trabalhadores, do povo chinês.

Alguns podem argumentar que o debate não é sobre pessoas, é sobre um sistema socioeconômico para conduzir uma sociedade... Mas no fundo, o que é tudo isso senão pessoas em ação?

Escrevi um texto sobre o assunto, tentando ir por essa perspectiva:

https://bolha.blog/paulohrpinheiro/sobre-a-china

Temos o mais importante fato: aproximadamente 20% da população mundial vive em países autodeclarados socialistas, sendo a maioria na China:

País                      População   Percentual
Mundial               7.900.000.000    100,00%
China                 1.426.391.281     18,06%
Coreia Popular           25.778.816      0,33%
Cuba                     11.326.616      0,14%
Laos                      7.275.560      0,09%
Vietnã                   97.338.579      1,23%
Países Socialistas    1.568.110.852     19,85%

O Problema

O problema está na questão: “A China é ou não socialista”! Ser ou não ser, os universais positivo e negativo da lógica aristotélica: aqui está um gigante problema, para nos firmarmos como marxistas-leninistas, abandonamos a dialética.

Não tenho um conhecimento aprofundado, detalhado, sobre os processos sociais e econômicas na China, nem de toda a teoria envolvida (anotação: resolver isso). Tenho leituras desorganizadas e superficiais. Mas acompanho os grandes debates e fico sempre com essa pulga atrás da orelha: essa gente bate boca, mas parece estar seguindo caminhos que jamais levarão a um bom entendimento.

Desdobrando essa questão inicial, há ainda outra armadilha: tentar definir (como um teorema ou ainda, como axioma) o que é Socialismo. Isso me causa maior desespero, pois penso Socialismo como processo. Temos muitas experiências, no século 20, e essas poucas que ainda se mantém. E a realidade é que, iniciado o processo revolucionário, não há como tratar formalmente os problemas. A concretude do processo torce e espreme nossos textos clássicos preferidos, quase sempre não encontrando a ajuda ou respostas desejadas.

Antes, essa cultura deve nos preparar e equipar para avançar e não ser apenas um amuleto. Como o músico e o repentista que improvisa, devemos ter nossos dicionários de rimas e fraseados, para com maestria, improvisar, e não apenas reproduzir.

E eu também me perdi nessa.

E aí, como faz?

Primeiro, permitam-me lembrar uma fala do Velho Prestes sobre Socialismo Real e a intelectualidade:

“O mal do intelectual brasileiro, é que ele idealiza o socialismo, um socialismo tirado da cartola dele, e como esse socialismo não coincide com o socialismo real, ele então combate o socialismo real.” (https://www.youtube.com/watch?v=QT4sZb2ESyc).

Estudar, informar-se, manter-se lúcido frente as contraditórias posições em relação ao tema. Não devemos temer nem o debate nem a contradição. Respirar e voltar aos clássicos. Estudar o que de aparentemente sério se fala, procurar informações autóctones sobre cada experiência. Estabelecer vínculos com as organizações e pessoas dessas nações.

Então, não tenho problemas em manter-me pensando que os trabalhadores chineses vivem uma baita contradição, mas que estão muito à frente com o PCCh e as grandes transformações, e o fim da pobreza absoluta, num tortuoso e, sim, vitorioso caminhar.

Sobre um olhar para as pessoas chinesas, não consigo me ver ignorando esses trabalhadores em suas vidas, em suas lutas. É algo que não se leva em conta, no debate, que o colocar uma etiqueta no processo chinês, de que seja apenas “revisionista”, “traidor”, ou “imperialista”, tenho o compromisso, como proletário revolucionário.

As duras lutas do século XX, libertaram e vem libertando os trabalhadores chineses, não sem contradições. No fim, penso que socialismo é isso: o caminhar de multidões rumo ao comunismo, com o protagonismo do proletariado e seus aliados, sem imposições idealistas que possam reduzir essa magnífica caminhada.

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Ousar sonhar

Ousar viver

é preciso se organizar

pra no coletivo debater

e o sonho transformar

em realidade a viver

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Duas mulheres de boca aberta com uma das mãos no queixo gerada pelo GenCraft

Do lado direito do ringue, a Rota, típica cidadã, zelosa de seus direitos. Do outro lado a Esfarrapada, funcionária pública, cumpridora de seus deveres. Irão se enfrentar mais à frente, mas pertencem à mesma categoria de gente: duas imbecis pequeno-burguesas.

Um “Psiu!” grunhido pela Rota, tem como resposta um “Quê?”, devolvido pela Esfarrapada. A Rota­ cidadã exige que a Esfarrapada­ servidora lhe traga uma revista de futilidades.

A Esfarrapada, num lento e silencioso movimento, levanta o braço e estica o dedo indicador (ufa!) em direção ao local dos periódicos. A Rota alega que não quer saber onde está, pois “Eu pago o seu salário!”. A Esfarrapada devolve um “Duvido que você pague imposto de renda; só quem paga pode dizer isso!”

As duas olham em volta, procurando aliados. Nós, insossos curitibanos, desviamos o olhar e acreditamos que nada está acontecendo, e o silêncio volta a reinar na biblioteca.

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Foto do salão térreo da Confeitaria das Famílias em Curitiba, em que se vê mesas com clientes, e o balção com o caixa e os doces e funcionárias prontas para atender, além das portas de entrada.

Eis um lugar, a Confeitaria das Famílias, que sinto falta, estando longe de Curitiba. Nem sei se existe ainda...

Diz a lenda que Ele costuma frequentar este ermo e amplo e fascinante local. Ele mesmo, o criador, ou alter ego, do Curitibano Vampiro.

Rara foto do vampiresco Dalton Trevisan, um senhor com sacolas de compra usando boné, tênis e roupa social, no centro de Curitiba.

Rara foto do vampiresco Dalton Trevisan, no centro de Curitiba.

As velhinhas, outrora vítimas (ou insaciáveis normalistas com “blusa vermelha, saia xadrez plissada, meia preta três-quartos, bota de saltinho”?) do hoje banguela vampiro, sempre estão nas melhores mesas.

Lá fora, a chuva, as pessoas apressadas, os guarda-chuvas trombando-se quando o balé dos desvios aéreos falha. Aqui dentro reina o silêncio. Meu mp3player começa a tocar um chorinho, na verdade o único que tenho nele, “Noites Cariocas”, mas em várias gravações de distintos chorões.

Um longo balcão, opções, opções, opções...

Mas serei fiel. Nenhuma outra é tão gostosa quanto Marta Rocha. Um doce sem exageros, tudo nela é na medida certa. Acompanhada de uma média (meio a meio?, sou questionado).

Minha amiga catireira me disse que gosta de gente esquisita, porque, entre outras coisas, comem boas comidas. Eu olho, disfarçadamente, à minha volta, e obtenho a confirmação empírica: gente muito esquisita comendo coisas muito boas.

Escrito há algumas décadas, vide a referência a “meu mp3” :)

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Gerada pelo bing image creator com o prompt assembleia sindical virtual estilo dali

Aqui eu “larguei os bets” com o pessoal do PCB-RR. Tentei de todas as formas manter contato, contribuir, mas fui ignorado (ao menos participei bastante da tribuna, e essa aqui obviamente não foi publicada). Os poucos contatos sempre forma do tipo “depois a gente conversa”, e para um trabalhador com um profundo desejo de fazer algo, isso é péssimo. Como a gota dágua que me fez desistir dessa empreitada, o total desinteresse por essa tema.

Falemos agora sobre os profissionais de TIC (tecnologia da informação e comunicação), comumente identificados como “pessoal de TI”. Assisti à gravação de um evento do PCB-RR em Curitiba (https://www.youtube.com/watch?v=ifuXq5t4bec). E uma fala sobre nós, pessoal de TI, muito pertinente, me chamou a atenção: doenças relacionadas a stress e trabalho excessivo são uma marca desta ampla categoria, que abrange desde call centers, datacenters, empresas de cabeamento, até programadores (ou “software engineers”, como tanto alguns gostam).

Com uma categoria que vem se apresentando na luta por mínimas condições de trabalho e salários, greves e movimentos vêm ocorrendo. E com vitórias. Especialmente o SINDPD de São Paulo está nessa pegada. Sobre o sindicato, na página “quem somos”, lê-se o seguinte:

“À frente do Sindpd, o presidente Antonio Neto participa ativamente das decisões políticas do País e do setor, sempre priorizando a defesa e a ampliação dos direitos da categoria. Neto também preside a CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros) e a Feittinf (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Tecnologia da Informação) – entidades que lutam ativamente pela regulamentação da profissão de TI, defendem a indústria nacional, combatem o enfraquecimento da Previdência Social e a flexibilização da CLT.” https://sindpd.org.br/sindpd/site/interna.jsp?m=1&s=1

A informação que tenho, é que era uma importante base de apoio de Ciro Gomes, inclusive candidatando-se a deputado federal (http://www.sindpd.org.br/sindpd/site/noticia.jsp?id=1657047369327). Não tenho informações atualizadas, depois das movimentações mais recentes de Ciro Gomes.

Em processos de, chamo eu, “elisão sindical”, muitas empresas vêm adaptando seu CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) para não estarem ligadas aos sindicatos mais combativos.

Por exemplo, em São Paulo temos o escandaloso caso da IBM de Hortolândia, que se apresenta como uma empresa varejista, e portanto, ligada ao Sindicato dos Comerciários, cujas condições são bem mais suaves para a empresa. Ainda na IBM, também tivemos o caso em que a empresa proibiu trabalhadores de Minas Gerais de se candidatar a vagas de trabalho remoto, para não ter nenhum perigo de terem que acatar decisão judicial que obriga os trabalhadores de TI a terem as vantagens da categoria.

Outras empresas seguem os exemplos.

Mas o importante aqui é que nessa semana será realizada assembleia para definir o que será reivindicado para a convenção da categoria no estado de São Paulo em 2024. Dia 16/11/2023, em assembleia virtual, será discutida e aprovada a Campanha Salarial, que obviamente, vai muito além do salário: https://sindpd.org.br/sindpd/site/categoria.jsp?id=44

Então fica o convite para toda a categoria que trabalha em empresas de São Paulo, mesmo que morem em outros estados, para, caso não sejam, sindicalizarem-se. E em segundo lugar, participar dos debates e votação. A participação não exige que se seja filiado.

Crítica

Muito em cima da data marcada, na condição de simpatizande, comecei a procurar o PCB-RR para saber se havia alguma discussão em torno dessa assembleia. Obtive a resposta que não temos nada organizado, dadas as grandes tarefas de reorganização. Tenho total clareza que o acúmulo de tarefas e a situação embrionária em que a RR se encontra, tornam tudo mais difícil.

Mas se temos trabalhadores ligados a esse sindicato (nesse caso específico, não é necessário estar filiado, apenas estar empregado numa empresa que seja base do sindicato), falhamos nesse ponto como vanguarda.

Não querendo aqui apresentar uma “supremacia sudestina”, mas devemos ter claro que uma categoria enorme, com ramificação em todo o país (por conta do trabalho remoto) está em movimento, dando passos cada vez mais firmes na luta econômica, e com grandes possibilidades de lutas mais avançadas (por exemplo, 30 horas semanais), e com grande controle sobre a atividade econômica do país, com amplas possibilidades de paralisar o funcionamento de muitas empresas, no caso de combates mais elevados.

Lembre-se que a luta ideológica nessa categoria é acirrada, com grande penetração de ideias liberais, mas que são facilmente desmontadas com um trabalho dirigido em relação ao socialismo.

Atuaremos individualmente, os que atuarmos, sem qualquer discussão ou organização. Ano que vem, 2024, acaba a legislatura atual, o que significa que até para os embates nesta eleição que se aproxima, estamos atrasados.

As tarefas são muitas e gigantes. Mas a vida não esperará que nos organizemos na forma ideal.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Imagem gerada pelo bing image creator com o prompt politico criminoso em estilo da bandeira do brasil

Passado quase um século, precisamos entender o mundo pré-revolução socialista no século XXI, em terras brasileiras.

O Brasil, por volta da segunda década dos anos 2000, deparou-se com a mais terrível carnificina ocorrida em seu território. Tal como ocorrido na Alemanha no início do século XX, um grupo violento e alicerçado na difusão de notícias falsas, com irrestrito apoio de empresários, banqueiros e, específico à formação econômica brasileira, latifundiários, chega à presidência da república.

Não só isso. Sendo a mais importante rota de distribuição de drogas para o mundo, tira dos porões, nesse momento histórico, os chamados milicianos, que nada mais são que um arranjo entre forças policiais e de repressão, militares, empresários, banqueiros, religiosos de linha semelhante à que Jesus chamou de hipócrita, e na linha de frente, traficantes.

Os grupos criminosos que operam a dita acumulação primitiva do capital, ou seja, crimes como tráfico e roubo de cargas e a bancos, que acumulam poder e finanças para a constituição de novas fortunas e grupos empresariais, estão finalmente representados e infiltrados em todas as esferas de poder da República. Interessante característica dessa época, é o uso de militares profissionais para ocupar cargos na esfera civil da administração pública. Esse é uma fator importante para a caracterização de uma guerra de extermínio ocorrido na época.

Nos primeiros dias da tomada de poder por esses grupos, assentamentos de trabalhadores rurais sofrem atentados terroristas. Os povos indígenas tem a violência contra a sua existência aumentada. Os negros continuam sendo alvos preferenciais e livres de consequências para os policiais. A homofobia recrudesce, atinge-se níveis alarmantes de assassinatos contra as pessoas que afrontem a delicada segurança dos héteros. O feminicídio torna-se algo normal. A população em situação de rua aumenta drasticamente, e começa a ser perseguida com método e planejamento, com despejos e roubo de seus pertences pessoais por parte das forças de repressão.

Aqui temos dois fatores: o governo e seus apoiadores adotam uma ideologia de cunho fascista. Muitos dos apoiadores e intelectuais são declaradamente nazistas. Mas nazismo e fascismo precisam de um inimigo interno, e num país latino-americano, não há como basear-se em conceito de raça.

Esses grupos elegem os pobres como inimigos.

O fascismo brasileiro, sempre alinhado com as forças nazifascistas internacionais é, em primeiro lugar, aporofóbico. Sempre foi, mas em seu breve exercício do poder, desnudou-se por completo.

Antigo projeto do cabeça desse sindicato do crime, era a execução imediata de alguns milhares de brasileiros, quando fosse presidente. Aproveitando-se da pandemia que varreu o mundo, o novo governo corta todos os recursos para o combate desse mal, a assistência econômica de emergência, e sabota o sistema público de saúde. Em algumas regiões do país, médicos alinhados a esse horror, realizam terríveis experimentos na população que, além de muito sofrimento, levam à morte.

Surge um novo tipo de guerra.

Se até então a novidade era a guerra irregular moderna, essencialmente urbana, cujo palco se dá especialmente nos maiores centros, agora temos uma gerra de extermínio, genocida, de alcance nacional completo.

Ao sabotar o sistema de saúde público, recusar-se a distribuir medicação, e espalhar notícias falsas, inclusive note-se, esse governo é eleito por meio da maior fraude eleitoral de que se tem conhecimento no velho mundo capitalista, as mortes e a impossibilidade de enterrar corpos torna-se cotidiano.

Ainda durante a fase mais aguda do isolamento social, forças populares articulam-se e dão início às grande movimentações e lutas que mais tarde levarão à queda do domínio burguês na América Latina.

Esse breve e sangrento governo é destituído, e seus integrantes e maiores apoiadores são caçados mundo afora, e julgados por crimes de guerra, tipificação jurídica que se deslumbrou à época, apenas quando cortes internacionais e a ciência histórica militar concluíram que uma guerra genocida ocorreu.

Poucos dos capturados não foram condenados à pena de morte.

O capitão carniceiro, como a imprensa da época o qualificou, quando em fuga pelo mundo, sofre atendados contra a sua vida, mas as forças especiais conseguem capturá-lo vivo e trazê-lo de volta ao país que ele lavou em lágrimas e sangue.

Nenhum dos familiares, ainda vivos, reclamou seu corpo.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Takao Amano

Notas sobre o Livro “Takao Amano – Assalto ao céu”, pela COM-ARTE, coleção Memória Militante.

Takao foi militante do PCB, e depois da ALN.

Mais que uma biografia, ou um depoimento, temos um diálogo nesse livro, em que o Takao vai se desnudando e jogando questões para pensarmos.

Ele começa com sua família no Japão, a vinda para o Brasil, para pelo movimento estudantil, militância partidária e posicionamento frente ao golpe de 1964, em que traz uma boa discussão sobre os caminhos da resistência, que quase se reduzem na dicotomia luta armada ou de massas.

Somos postos de frente com a Teologia da Libertação. A dura rotina da militância clandestina, as ações e a queda, também nos são apresentados como numa conversa calma porém profunda. A queda, as torturas e o exílio, com todas as suas peculiaridades e disputas políticas fazem refletir.

Por fim, há dois capítulos sobre a volta do exílio, as necessidades materiais ditando decisões e a militância, em primeiro oportunidade, no PCB, depois PT/CUT como advogado sindical, atividade que, ao tempo da publicação do livro, exercia.

Livro pequeno, porém denso e amplo nas temáticas.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Foto do livro "Virgilio Gomes da Silva - de retirante a guerrilheiro", escrito por Edileuza Pimenta & Edson Teixiera, da Plena Editorial, com selo do Núcleo Memória, fazendo parte da Série Brasil Militante. Virgilio está apoiado em uma bicicleta de marcha, com farol e sino, em um quintal, vestido "de social".

Notas sobre o livro “Virgilio Gomes da SIlva – de retirante a guerrileiro”, de Edileuza Pimenta & Edson Teixeira, pela Plena Editorial.

Um comandante militar do povo, formado e forjado na luta política, em sindicatos e partidariamente, e militarmente. Esse é o comandante Jonas, codinome de Virgílio Gomes da Silva.

Nesse livro temos um resgate e aprofundamento da vida de Virgilio. Toda sua dura luta por sobrevivência com a família, em idas e vindas, recomeços, e muito trabalho.

Estabelecendo-se em São Paulo, para depois trazer a família, Virgilio vai trabalhando, durante os anos 1950, e formando-se como trabalhador que entende e reflete sobre as durezas do mundo do trabalho, e do Brasil famélico e explorado.

Temos um bom conteúdo sobre sua vida antes da militância política. Muito material dos arquivos da repressão, e entrevistas com pessoas de seu círculo pessoal e político.

Comandando o sequestro do embaixador estadunidense, selou a mais fantástica vitória da luta armada contra a ditadura, bem como seu cruel destino como preso, torturado, assassinado e desaparecido político.

Vemos nessa obra, também, as dificuldades de sua família, e do resgate da verdade. Uma crítica ao filme “O que é isso companheiro”, lúcida e necessária, para resgatar a dignidade do trabalhador comunista nordestino, aviltado nas telas do cinema.

Falta o corpo, sobram boas lembranças.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Imagem da cada do livro "Origem e Evolução do Partido Comunista Revolucionário (1972-1972)", de Renato da Silva Della Vechia. Há uma foto de um desfile militar com um soldado em um blindado, e ao fundo bandeira do Brasil e jipes, com uma igreja e edifícios mais ao fundo.

Impressões sobre o livro “Origem e Evolução do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (1967-1973)”, de Renato da Silca Della Vechia, editado pela Lutas Anticapital, com o selo do Instituto Mário Alves.

Não menosprezando a massa de militantes do PCBR, cujo trabalho e abnegação à causa revolucionária são exemplares, o que me chamou a atenção a essa organização foram seus “quadros eminentes”. Para citar três, vamos de Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e Mário Alves, todos experimentados na luta, tanto aberta como clandestina.

E isso foi o que me levou a buscar e ler esse livro. Só que na leitura, pude me aprofundar mais na história desse partido, mas com um toque maior de humanidade, ao resgatar a vida dos militantes. Também, com uma linha temporal de sua existência, até o momento em que entra como tendência no PT.

O autor, Renato da Silva Della Vechia, é professor do programa de pós-graduação em Política Social e Direitos Humanos na Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), com doutorado em Ciência Política, e membro do Instituto Mário Alves, o que deve lhe dar um melhor conhecimento dos fatos históricos e oportunidade de proximidade com as pessoas por ele estudados.

Uma boa coisa nesse livro, especialmente em seus capítulos iniciais, é a apresentação de reflexões mais genéricas sobre os partidos políticos e a história brasileira pré-golpe de 1964. Tem-se um bom panorama da conjuntura que levou à criação do PCBR.

Eu nunca tive uma visão sobre o alcance do PCBR no Brasil. Com essa obra tive, além de maior profundidade sobre a história da organização, uma cronologia de ações, tanto dela como da repressão, as necessárias reflexões e debates conforme as condições de luta mudavam, e especialmente, um detalhamento individual do que se sabe sobre os militantes.

Traições, vacilos, e limites quebrados frente à tortura, são discutidos e bem diferenciados. Um traidor infiltrado, em especial, deu-me certa agonia a cada vez que seu nome era citado: Jover Teles. Uma angústia, pois sua trajetória do PCB ao PCdoB, passando pela pré-história do PCBR, a Corrente Revolucionária, é uma narrativa que demorou para citar sua decisiva traição que culminou com a Chacina da Lapa, em que dirigentes do PCdoB foram executados pelo aparato de repressão brasileiro. Apesar da demora, um fato que eu desconhecia era sua ação como um “chupim”, levando potenciais militantes do PCBR para o PCdoB, muito bem explicada no livro.

Da proliferação de ações e planos para a derrubada da ditadura e construção da revolução socialista, temos um discorrer das ações e análises muito bem escritas, que chegam ao final das ações e dispersão dos militantes, passando pela composição das direções centrais e algumas regionais, até ação de expropriação final na década de 1980, e incorporação dos militantes ao PT.

Há também um conjunto de anexos importantes, como posição sobre a Tchecoslováquia, e a sua linha política, documento de 1968, entre outros, igualmente interessantes.

Livro quente, de uma primeira leitura rápida, apesar de ser denso em informações e análises, que convém como obra para consultas recorrentes, inclusive pela sua riqueza de indicações bibliográficas.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro