Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro

Parêmias nem tão pequenas, nem tão profundas, sobre a sociedade capitalista

Foto do salão térreo da Confeitaria das Famílias em Curitiba, em que se vê mesas com clientes, e o balção com o caixa e os doces e funcionárias prontas para atender, além das portas de entrada.

Eis um lugar, a Confeitaria das Famílias, que sinto falta, estando longe de Curitiba. Nem sei se existe ainda...

Diz a lenda que Ele costuma frequentar este ermo e amplo e fascinante local. Ele mesmo, o criador, ou alter ego, do Curitibano Vampiro.

Rara foto do vampiresco Dalton Trevisan, um senhor com sacolas de compra usando boné, tênis e roupa social, no centro de Curitiba.

Rara foto do vampiresco Dalton Trevisan, no centro de Curitiba.

As velhinhas, outrora vítimas (ou insaciáveis normalistas com “blusa vermelha, saia xadrez plissada, meia preta três-quartos, bota de saltinho”?) do hoje banguela vampiro, sempre estão nas melhores mesas.

Lá fora, a chuva, as pessoas apressadas, os guarda-chuvas trombando-se quando o balé dos desvios aéreos falha. Aqui dentro reina o silêncio. Meu mp3player começa a tocar um chorinho, na verdade o único que tenho nele, “Noites Cariocas”, mas em várias gravações de distintos chorões.

Um longo balcão, opções, opções, opções...

Mas serei fiel. Nenhuma outra é tão gostosa quanto Marta Rocha. Um doce sem exageros, tudo nela é na medida certa. Acompanhada de uma média (meio a meio?, sou questionado).

Minha amiga catireira me disse que gosta de gente esquisita, porque, entre outras coisas, comem boas comidas. Eu olho, disfarçadamente, à minha volta, e obtenho a confirmação empírica: gente muito esquisita comendo coisas muito boas.

Escrito há algumas décadas, vide a referência a “meu mp3” :)

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Imagem gerada pelo bing image creator com o prompt politico criminoso em estilo da bandeira do brasil

Passado quase um século, precisamos entender o mundo pré-revolução socialista no século XXI, em terras brasileiras.

O Brasil, por volta da segunda década dos anos 2000, deparou-se com a mais terrível carnificina ocorrida em seu território. Tal como ocorrido na Alemanha no início do século XX, um grupo violento e alicerçado na difusão de notícias falsas, com irrestrito apoio de empresários, banqueiros e, específico à formação econômica brasileira, latifundiários, chega à presidência da república.

Não só isso. Sendo a mais importante rota de distribuição de drogas para o mundo, tira dos porões, nesse momento histórico, os chamados milicianos, que nada mais são que um arranjo entre forças policiais e de repressão, militares, empresários, banqueiros, religiosos de linha semelhante à que Jesus chamou de hipócrita, e na linha de frente, traficantes.

Os grupos criminosos que operam a dita acumulação primitiva do capital, ou seja, crimes como tráfico e roubo de cargas e a bancos, que acumulam poder e finanças para a constituição de novas fortunas e grupos empresariais, estão finalmente representados e infiltrados em todas as esferas de poder da República. Interessante característica dessa época, é o uso de militares profissionais para ocupar cargos na esfera civil da administração pública. Esse é uma fator importante para a caracterização de uma guerra de extermínio ocorrido na época.

Nos primeiros dias da tomada de poder por esses grupos, assentamentos de trabalhadores rurais sofrem atentados terroristas. Os povos indígenas tem a violência contra a sua existência aumentada. Os negros continuam sendo alvos preferenciais e livres de consequências para os policiais. A homofobia recrudesce, atinge-se níveis alarmantes de assassinatos contra as pessoas que afrontem a delicada segurança dos héteros. O feminicídio torna-se algo normal. A população em situação de rua aumenta drasticamente, e começa a ser perseguida com método e planejamento, com despejos e roubo de seus pertences pessoais por parte das forças de repressão.

Aqui temos dois fatores: o governo e seus apoiadores adotam uma ideologia de cunho fascista. Muitos dos apoiadores e intelectuais são declaradamente nazistas. Mas nazismo e fascismo precisam de um inimigo interno, e num país latino-americano, não há como basear-se em conceito de raça.

Esses grupos elegem os pobres como inimigos.

O fascismo brasileiro, sempre alinhado com as forças nazifascistas internacionais é, em primeiro lugar, aporofóbico. Sempre foi, mas em seu breve exercício do poder, desnudou-se por completo.

Antigo projeto do cabeça desse sindicato do crime, era a execução imediata de alguns milhares de brasileiros, quando fosse presidente. Aproveitando-se da pandemia que varreu o mundo, o novo governo corta todos os recursos para o combate desse mal, a assistência econômica de emergência, e sabota o sistema público de saúde. Em algumas regiões do país, médicos alinhados a esse horror, realizam terríveis experimentos na população que, além de muito sofrimento, levam à morte.

Surge um novo tipo de guerra.

Se até então a novidade era a guerra irregular moderna, essencialmente urbana, cujo palco se dá especialmente nos maiores centros, agora temos uma gerra de extermínio, genocida, de alcance nacional completo.

Ao sabotar o sistema de saúde público, recusar-se a distribuir medicação, e espalhar notícias falsas, inclusive note-se, esse governo é eleito por meio da maior fraude eleitoral de que se tem conhecimento no velho mundo capitalista, as mortes e a impossibilidade de enterrar corpos torna-se cotidiano.

Ainda durante a fase mais aguda do isolamento social, forças populares articulam-se e dão início às grande movimentações e lutas que mais tarde levarão à queda do domínio burguês na América Latina.

Esse breve e sangrento governo é destituído, e seus integrantes e maiores apoiadores são caçados mundo afora, e julgados por crimes de guerra, tipificação jurídica que se deslumbrou à época, apenas quando cortes internacionais e a ciência histórica militar concluíram que uma guerra genocida ocorreu.

Poucos dos capturados não foram condenados à pena de morte.

O capitão carniceiro, como a imprensa da época o qualificou, quando em fuga pelo mundo, sofre atendados contra a sua vida, mas as forças especiais conseguem capturá-lo vivo e trazê-lo de volta ao país que ele lavou em lágrimas e sangue.

Nenhum dos familiares, ainda vivos, reclamou seu corpo.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Takao Amano

Notas sobre o Livro “Takao Amano – Assalto ao céu”, pela COM-ARTE, coleção Memória Militante.

Takao foi militante do PCB, e depois da ALN.

Mais que uma biografia, ou um depoimento, temos um diálogo nesse livro, em que o Takao vai se desnudando e jogando questões para pensarmos.

Ele começa com sua família no Japão, a vinda para o Brasil, para pelo movimento estudantil, militância partidária e posicionamento frente ao golpe de 1964, em que traz uma boa discussão sobre os caminhos da resistência, que quase se reduzem na dicotomia luta armada ou de massas.

Somos postos de frente com a Teologia da Libertação. A dura rotina da militância clandestina, as ações e a queda, também nos são apresentados como numa conversa calma porém profunda. A queda, as torturas e o exílio, com todas as suas peculiaridades e disputas políticas fazem refletir.

Por fim, há dois capítulos sobre a volta do exílio, as necessidades materiais ditando decisões e a militância, em primeiro oportunidade, no PCB, depois PT/CUT como advogado sindical, atividade que, ao tempo da publicação do livro, exercia.

Livro pequeno, porém denso e amplo nas temáticas.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Foto do livro "Virgilio Gomes da Silva - de retirante a guerrilheiro", escrito por Edileuza Pimenta & Edson Teixiera, da Plena Editorial, com selo do Núcleo Memória, fazendo parte da Série Brasil Militante. Virgilio está apoiado em uma bicicleta de marcha, com farol e sino, em um quintal, vestido "de social".

Notas sobre o livro “Virgilio Gomes da SIlva – de retirante a guerrileiro”, de Edileuza Pimenta & Edson Teixeira, pela Plena Editorial.

Um comandante militar do povo, formado e forjado na luta política, em sindicatos e partidariamente, e militarmente. Esse é o comandante Jonas, codinome de Virgílio Gomes da Silva.

Nesse livro temos um resgate e aprofundamento da vida de Virgilio. Toda sua dura luta por sobrevivência com a família, em idas e vindas, recomeços, e muito trabalho.

Estabelecendo-se em São Paulo, para depois trazer a família, Virgilio vai trabalhando, durante os anos 1950, e formando-se como trabalhador que entende e reflete sobre as durezas do mundo do trabalho, e do Brasil famélico e explorado.

Temos um bom conteúdo sobre sua vida antes da militância política. Muito material dos arquivos da repressão, e entrevistas com pessoas de seu círculo pessoal e político.

Comandando o sequestro do embaixador estadunidense, selou a mais fantástica vitória da luta armada contra a ditadura, bem como seu cruel destino como preso, torturado, assassinado e desaparecido político.

Vemos nessa obra, também, as dificuldades de sua família, e do resgate da verdade. Uma crítica ao filme “O que é isso companheiro”, lúcida e necessária, para resgatar a dignidade do trabalhador comunista nordestino, aviltado nas telas do cinema.

Falta o corpo, sobram boas lembranças.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Imagem da cada do livro "Origem e Evolução do Partido Comunista Revolucionário (1972-1972)", de Renato da Silva Della Vechia. Há uma foto de um desfile militar com um soldado em um blindado, e ao fundo bandeira do Brasil e jipes, com uma igreja e edifícios mais ao fundo.

Impressões sobre o livro “Origem e Evolução do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (1967-1973)”, de Renato da Silca Della Vechia, editado pela Lutas Anticapital, com o selo do Instituto Mário Alves.

Não menosprezando a massa de militantes do PCBR, cujo trabalho e abnegação à causa revolucionária são exemplares, o que me chamou a atenção a essa organização foram seus “quadros eminentes”. Para citar três, vamos de Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e Mário Alves, todos experimentados na luta, tanto aberta como clandestina.

E isso foi o que me levou a buscar e ler esse livro. Só que na leitura, pude me aprofundar mais na história desse partido, mas com um toque maior de humanidade, ao resgatar a vida dos militantes. Também, com uma linha temporal de sua existência, até o momento em que entra como tendência no PT.

O autor, Renato da Silva Della Vechia, é professor do programa de pós-graduação em Política Social e Direitos Humanos na Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), com doutorado em Ciência Política, e membro do Instituto Mário Alves, o que deve lhe dar um melhor conhecimento dos fatos históricos e oportunidade de proximidade com as pessoas por ele estudados.

Uma boa coisa nesse livro, especialmente em seus capítulos iniciais, é a apresentação de reflexões mais genéricas sobre os partidos políticos e a história brasileira pré-golpe de 1964. Tem-se um bom panorama da conjuntura que levou à criação do PCBR.

Eu nunca tive uma visão sobre o alcance do PCBR no Brasil. Com essa obra tive, além de maior profundidade sobre a história da organização, uma cronologia de ações, tanto dela como da repressão, as necessárias reflexões e debates conforme as condições de luta mudavam, e especialmente, um detalhamento individual do que se sabe sobre os militantes.

Traições, vacilos, e limites quebrados frente à tortura, são discutidos e bem diferenciados. Um traidor infiltrado, em especial, deu-me certa agonia a cada vez que seu nome era citado: Jover Teles. Uma angústia, pois sua trajetória do PCB ao PCdoB, passando pela pré-história do PCBR, a Corrente Revolucionária, é uma narrativa que demorou para citar sua decisiva traição que culminou com a Chacina da Lapa, em que dirigentes do PCdoB foram executados pelo aparato de repressão brasileiro. Apesar da demora, um fato que eu desconhecia era sua ação como um “chupim”, levando potenciais militantes do PCBR para o PCdoB, muito bem explicada no livro.

Da proliferação de ações e planos para a derrubada da ditadura e construção da revolução socialista, temos um discorrer das ações e análises muito bem escritas, que chegam ao final das ações e dispersão dos militantes, passando pela composição das direções centrais e algumas regionais, até ação de expropriação final na década de 1980, e incorporação dos militantes ao PT.

Há também um conjunto de anexos importantes, como posição sobre a Tchecoslováquia, e a sua linha política, documento de 1968, entre outros, igualmente interessantes.

Livro quente, de uma primeira leitura rápida, apesar de ser denso em informações e análises, que convém como obra para consultas recorrentes, inclusive pela sua riqueza de indicações bibliográficas.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Policiais militares da Bahia, armados com fuzis, em uma vila popular, com o camburão aberto.

Publicado originalmente no Em defesa do comunismo.

O Partido dos Trabalhadores, surgido nos escombros da luta revolucionária contra a ditadura militar, fortalecido ainda mais com a derrota mundial dos socialistas, pela destruição do bloco soviético, vem aos poucos deixando à mostra suas mãos sujas de sangue, sua virada e participação no genocídio negro e seu tosco anticomunismo, seja internamente, seja internacionalmente.

Peru

Uma das primeiras medidas do primeiro governo Lula (9 de junho de 2003), foi autorizar uma ação contra “terroristas” no Peru que, na verdade, eram militantes comunistas em armas, e foram cassados, graças à operação da Força Aérea Brasileira, com aeronave especialmente preparada para intercepção de comunicações e localização em terra dos emissores, e por consequência a localização da base de operações do grupo, que tinha em seu poder oficiais do estado peruano e funcionários de uma empresa argentina que construía um gasoduto na região de Ayacucho. Operação essa, que até antes do quinto mandato petista, terceiro de Lula, estava presente no site da Aeronáutica, mas agora “foi sumida” do portal. Aqui, algumas notícias ainda presentes, em outros portais:

http://www.militarypower.com.br/frame4-conf25.htm

http://www.militarypower.com.br/frame4-conf25.htm

https://istoe.com.br/13727_MISSAO+SECRETA+NO+PERU/

https://istoe.com.br/13727_MISSAO+SECRETA+NO+PERU/

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2109200326.htm

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2109200326.htm

Além do fato dessa específica ação militar brasileira, devemos considerar o íntimo relacionamento entre as forças repressivas latino-americanas, alimentadas também por Lula e o PT. Haiti

Sem dúvida, uma das mais vergonhosas, violentas e inconfessáveis ações do estado brasileiro, e sob comando petista, fora de nosso solo. Além da grave intervenção colonial contra o povo haitiano, temos uma leva de soldados com graves problemas psicológicos abandonados após voltarem ao Brasil.

Violência extrema, suspeitas muito concretas de massacre contra civis, especialmente mulheres e crianças, estupros e execuções. Além de um laboratório para experimentos de repressão e eliminação de inimigos em terreno urbano. E um saldo terrível, figuras execráveis alçadas à política nacional como o General Heleno e o Capitão, agora governador de SP, Tarcísio de Freitas (Viva Lamarca, capitão do exército brasileiro, que em missão na Faixa de Gaza, volta profundamente abalado e com a semente do socialismo em seu ser).

Tenhamos em conta que a atuação das Polícias Militares é determinada diretamente pelo Exército Brasileiro, através do COTER (Comando de Operações Terrestres):

http://www.coter.eb.mil.br/index.php/atribuicoes-igpm

Em homenagem ao ministro Haddad, uma ligação ao site da Amazon, de um livro particularmente esclarecedor sobre ações e consequências da missão no Haiti para os desamparados soldados brasileiros:

https://www.amazon.com.br/Um-Soldado-Brasileiro-no-Haiti/dp/8525043044

Operações Internas

Nas jornadas de junho de 2013, com a pauta do transporte coletivo, a intensa repressão aos manifestantes ganhou fôlego com a desculpa do policial com o rosto ensanguentado. Haddad toma o lado das empresas, garantindo um aumento no valor das passagens, e negando-se a negociar, com a declaração “Não vou dialogar em uma situação de violência, falei várias vezes. A renúncia à violência é pressuposto ao diálogo”. Desqualificando politicamente o movimento, e tomando parte em favor do cartel dos transportes, Alckmin pode fazer sua parte, levando a violência às ruas com máxima potência.

Outro grave legado do PT, foi em relação à usina de Belo Monte, tendo como figuras principais dessa tragédia há muito planejada, mas defendida e concluída pelos petistas, temos Lula e Dilma. Indígenas e ribeirinhos, destruídos em seu modo de vida, com processos acusando o governo de etnocídio. Trabalhadores das usinas em terríveis condições, inclusive com execuções de lideranças nas lutas e greves por melhores condições. Destruição ambiental, ineficiência energética, repressão a povos, comunidades e trabalhadores.

Outro caso relegado ao esquecimento, é a desocupação e demolição imediata de uma casa (em uma escola abandonada) de apoio a mulheres vítimas de violência, ocupada e coordenada pelo movimento Olga Benário (PCR). A atuação junto às populações mais afetadas pelas violências tão presentes contra mulheres, e o descaso da prefeitura em promover ações de apoio e acolhida, leva a um tenso período de perseguição a essas mulheres até o auge, com o despejo e imediata demolição. Prefeitura do PT, cujas direções partidárias em todas as instâncias calaram-se, ou deram aquela comum “passada de pano” no caso.

https://averdade.org.br/2022/04/casa-helenira-preta-e-removida-ilegalmente-e-demolida-pela-prefeitura-de-maua/

https://averdade.org.br/2022/04/casa-helenira-preta-e-removida-ilegalmente-e-demolida-pela-prefeitura-de-maua/

Política de extermínio e encarceramento

Os recentes governos petistas estaduais, em todos os seus sucessivos mandatos, tem deixado clara a posição de classe do partido: inimigo de morte dos trabalhadores, especialmente jovens e negros.

Não é coincidência que a guerra antidrogas tenha sido radicalizada por Lula, em agosto de 2006. Explode o aprisionamento da juventude brasileira, especialmente por porte de drogas, facilmente transformado em crime de tráfico pelo aparato legal. O uso indiscriminado de “kits flagrante” para forjar crimes se torna cada vez mais comum, por parte das autoridades. Recompensas por produtividade (efetuar mais prisões), acentuam essa grave situação.

Na Bahia, o genocídio é aberto e escala suas atrocidades, sem críticas, e até com apoio. O discurso do governo (não de simples quadros da “frente ampla”, mas dos aliados mais íntimos, fantoches, como Flávio Dino e Ricardo Cappelli) se rebaixa ao discurso punitivista e assassino da burguesia brasileira. O neoliberalismo econômico anda de mãos dadas com o fascismo. A esquerda busca tornar tudo mais aceitável, em maior ou menor grau.

Como cereja intragável desse bolo de atrocidades, o início da exploração da mão de obra encarcerada em moldes não educativos, de não serviço social, ganha corpo com o novo governo Lula, em alianças com os representantes mais retrógrados da burguesia. Acelera o processo de administração privada de presídios, e amplia a aceleração de presídios privados, financiados pelo BNDES. Com a exploração da mão de obra encarcerada, o patronato enxerga o trabalhador ideal: confinado, sem mobilidade, sem possibilidade de crítica, de ação sindical, sem direitos. E tudo isso iniciando por uma empresa consagrada em irregularidades como fornecimento de alimentação estragada.

Enfim, se lutamos para não permitir a reeleição de Bolsonaro, não temos razão alguma para nos mantermos no mesmo campo que a esquerda contemporânea, por mais avançados que grupos de esquerda radical possam ser, se comparados com a esquerda majoritária.

Apoiar os governos petistas, especialmente o federal, significa apoiar a morte e encarceramento dos nossos, de nós mesmos. Para além do PT, não podemos mais nos reduzir a uma força de esquerda. Estamos em uma situação, percebida pela população em geral, em que, por décadas, nem esquerda, nem centro, nem direita deram certo. E não precisamos perder tempo e esforços em explicações desnecessárias sobre que tipo de esquerda somos. Não somos esquerda, apenas temos alianças pontuais com esses grupos, que participam e administram o estado burguês. Para muito além de esquerda, somos socialistas, somos revolucionários, somos comunistas.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Lula e FHC em frente a um balcão cheio de copinhos descartáveis, adoçando o que parece ser seus cafés.

Publicado originalmente em Lula e o Socialismo

“Outros companheiros, em outras épocas, tentaram criar partidos revolucionários, tentaram criar partidos de massa, e a verdade é que quase todas as experiências, ou por causa da ditadura ou por causa do fracasso dos próprios militantes, não deram os resultados necessários.” Lula, no “Seminário Internacional 70 Anos de Experiência de Construção do Socialismo”, em 1987. https://jacobin.com.br/2023/10/lula-e-a-construcao-do-socialismo/

Esse discurso de Lula é revelador e nos permite entender os descaminhos (de um ponto de vista revolucionário) contemporâneos dele e do PT na administração de certos aparatos estatais brasileiros, especialmente a presidência da república. Só esse trecho revela um pensamento muito comum na esquerda: a de que a história das lutas populares começa na ditadura militar, e “que nunca na história do Brasil”, houve alguma coisa sólida nas lutas dos trabalhadores brasileiros. Nesse discurso, de um ponto de vista histórico, vemos uma força política de base proletária com uma ideologia anti-comunista, portanto anti-proletária, ganhando força.

Uma observação: os subtítulos no decorrer do texto são os usados pela transcrição da Jacobin, cujo link está acima. Tentei usar, para cada parte, uma citação que trouxesse o espírito da argumentação de Luiz Inácio.

Introdução

“Outros companheiros, em outras épocas, tentaram criar partidos revolucionários, tentaram criar partidos de massa, e a verdade é que quase todas as experiências, ou por causa da ditadura ou por causa do fracasso dos próprios militantes, não deram os resultados necessários.”

Note-se que “introdução” é um título que não existe na transcrição do discurso, coloquei aqui apenas para marcar o início do discurso. Dois pontos são bem apresentados por Lula: conhecimento teórico, e a criação do PT.

Há um quê de humildade, pois ele se coloca como alguém não estudado, porém profundamente preocupado com essa situação, ao mesmo tempo em que reivindica um aprendizado intuitivo da mais-valia (“sem ler o Capital”). Também argumenta que aprendeu a fazer política “sem ler livros”.

Algo que ele deixa passar, e que fica nítido, está em que a convivência coletiva, especialmente com os grandes intelectuais e quadros revolucionários que aderem ao PT, além obviamente, dos intelectuais e lutadores católicos, fizeram sim uma grande diferença na formação dele. Mais que ler livros, não só a luta prática, mas a luta prática coletiva e organizada, eleva as condições culturais e a práxis de qualquer pessoa.

Agora, sobre a criação do PT. Argumenta o agora Presidente que os comunistas (MR-8, PCdoB e PCB) não declaravam a ele sua condição, e sempre argumentaram que não era o momento de criar um partido. Todos estavam sob o guarda-chuva do MDB. Sentindo-se enganado, partiu para a fundação do Partido dos Trabalhadores.

Mais uma vez, é no que não está dito que encontramos o mais importante: no final dos anos 1970, as operações de caça e prisão dos comunistas estavam a pleno vapor, especialmente em sindicatos. As últimas grandes células comunistas estavam sendo destruídas uma a uma, e a clandestinidade era a única condição possível.

Ouso dizer que a desarticulação das direções dos partidos revolucionários, bem como de suas organizações de base tem um papel especial na construção do PT. Estando essas organizações inviabilizadas, o imperialismo permitiu uma abertura segura, inclusive com a criação de mais partidos, mesmo de esquerda, especialmente os não revolucionários.

A desarticulação dos trabalhadores brasileiros está em sintonia com o processo que em breve tempo culminaria no fim da experiência socialista soviética.

O que há de revolucionário no PT?

“Quando eu disse que a questão revolucionária é subjetiva, é porque eu acho o PT um dos partidos mais revolucionários que já surgiu na história desse país. Eu acho o PT revolucionário, não porque ele diga nos seus discursos ou nos seus escritos que é um partido revolucionário. É revolucionário porque nasceu com a ideia definida de que era preciso organizar a classe trabalhadora dando a ela consciência política para que ela se descobrisse enquanto força trabalhadora da sociedade.”

Creio que aqui temos a chave hermenêutica do discurso de Lula e do que seja o PT. Uma forma de espontaneísmo, de esperança num despertar socialista vindouro que não precisa ser trabalhado, e o mais grave, que não se relaciona com condições objetivas. E nem com toda a história dos trabalhadores brasileiros, construída em uma dura caminhada, não só no século XX, mas por toda a história desde a ocupação do território agora chamado Brasil.

Começa com desculpas em torno de uma possível falta de conhecimento teórico pessoal, que, como abordado acima, não é verdadeiro pois quando se está em um coletivo partidário, é impossível não crescer teórica e intelectualmente. Há um reforço aqui de que a prática está acima da teoria, o que no caso do PT, é uma mentira, pois desde a sua fundação há uma coerência ideológica, profundamente negacionista e anticomunista, que obriga os petistas a manter um linguajar que falsamente evoque o socialismo e a revolução, por conta da força que essas ideias, apesar de todo desmonte das organizações comunistas, ainda persistia na mente e corações dos trabalhadores brasileiros. Uma memória muito forte e presente ainda, apesar da ditadura, e que precisa ser destruída para que o PT atinja e mantenha a condição de força majoritária entre os trabalhadores.

Também encontramos uma espécie de “basismo”: a ideia de que basta ter organização dentro dos locais de trabalho para se garantir contra golpes de estado ou outras formas de repressão. Não adianta ter bases sólidas, em empresas e demais núcleos de base, se não há direção política disposta a facilitar e coordenar nacionalmente meios de ofensiva ou mesmo de resistência. Isso comprovamos lembrando do golpe de 1964, em que havia penetração democrática e socialista até mesmo nas forças armadas. Também prova esse ponto a incapacidade de o PT, no governo federal, reagir ao golpe contra a presidenta Dilma.

Sobre trabalhadores, rurais ou urbanos, alçados às tarefas de direção, me parece mais uma das infundadas frases de efeito, muito desrespeitosas com a história de lutas do povo brasileiro. Desde a fundação do Partido Comunista, e por toda a história de seus rachas, em suas diversas instâncias de direção, observa-se uma quantidade abundante de dirigentes e, mais importante e não citado por Lula, uma especial qualidade de dirigentes proletários e camponeses forjados nas lutas.

Construir a unidade da classe trabalhadora

“Há mais de cem anos o velho Marx dizia: “trabalhadores de todo mundo, uni-vos”. E a gente não consegue unir os trabalhadores do ABC, a gente não consegue unir os trabalhadores de São Paulo, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, quanto mais os trabalhadores do mundo.”

Nessa parte do discurso é contada uma história sobre como fazer na prática a união dos trabalhadores, tal como prescrita na frase “Trabalhadores de todo mundo, uni-vos!”. Cansado de participar dos debates sobre a dívida externa, apenas por parte dos trabalhadores de países devedores, Lula propõe debates com trabalhadores de países credores, para saber o que eles acham de viver bem por conta dos trabalhadores de países endividados…

Usando uma pauta interessante, desvia para questões morais, e mais uma vez, desconsidera o papel do proletariado organizado e rebaixa os objetivos políticos dos trabalhadores. Reclama do “muro de lamentações” local, e embora estenda para uma escala mundial, não propõe qualquer estratégia rumo ao socialismo.

A classe trabalhadora e a constituinte

Há uma breve avaliação, positiva, sobre a Constituinte, e o posicionamento sobre a atuação do PT (e do bloco de esquerda, acrescento eu), que com menos de 10% dos parlamentares, em uma correlação de forças desfavorável, mas calcados em forte pressão popular, fizeram avançar muitos temas importantes aos trabalhadores brasileiros.

Esta é uma bela memória que deveria ser articulada no terceiro governo Lula.

Para que serve uma vanguarda?

“A grande decepção que eu tive na minha vida depois de dezoito anos de sindicato, depois de fazer todos os tipos de greve que um dirigente sindical pode fazer, foi ir na porta da fábrica numa campanha e ver que o eleitor não sabia por que votava no candidato, não sabia distinguir quem era Afif Domingos ou quem era não sei mais quem, como se fosse tudo a mesma coisa. E quando ele pensa que é tudo a mesma coisa, é porque nós não estamos falando uma linguagem capaz de ser compreendida pelo conjunto da classe trabalhadora.”

Atualmente podemos afirmar que a esmagadora maioria dos parlamentares de esquerda tem poucas diferenças em relação à direita liberal. Lembrando a tradição latinoamericana, podemos pensar na esquerda brasileira como “liberais”, e o que chamamos de liberais ou neoliberais, de “conservadores”. E como manda essa tradição latinoamericana, nessa amorfa politicagem entre liberais e conservadores, a superação só pode se dar por forças revolucionárias. Eventualmente forças protofascistas se impõem, mas o marasmo da luta política se mantém assim.

E eu me pergunto, com sinceridade, se quem trata todos os políticos como iguais, está errado. Em geral, trata-se isso como despolitização. Mas será mesmo? Eu vejo isso como a falta de uma política revolucionária que faça avançar as lutas para além do suportado pela pelegada.

Como exemplo de uma liderança de vanguarda, Lula conta uma história de Vicentinho (“um dos mais extraordinários oradores de massa que esse país produziu”). Em uma greve, Vicentinho foi incumbido de defender perante os trabalhadores que uma greve na Autolatina fosse parada. Em frente aos mais de dez mil trabalhadores, percebe que não querem isso, que querem ir em frente. Aí Lula diz que frente à verdadeira vanguarda que são as massas, a liderança de vanguarda se resigna.

Muitos problemas aqui nessa história, como contada. Se lê que vanguarda é quem está à frente e vanguardista é que está muito à frente, sem conexão, entre outras reflexões problemáticas. E estabelece-se a comum e falsa dicotomia entre base e vanguarda.

Vanguarda, termo militar, é aquele grupo de combatentes que vai à luta primeiro para aprender como luta o inimigo, faz as primeiras sabotagens e execuções, além de mapear o terreno e as forças inimigas. Como um primeiro grupo, certamente terá grandes baixas. Mas os que sobrevivem, devem voltar à massa de soldados, ensinar tudo que aprenderam. Às massas cabe, de posse desse conhecimento, junto com a vanguarda, avançar e esmagar o inimigo.

Politicamente ocorre assim também. Todo trabalhador que se conscientiza da revolução socialista, se organiza e age, é vanguarda. E como vanguarda, estará inicialmente em pequenos grupos. Mas em dado momento, sua missão se conclui, e cabe às massas trabalhadoras, com sua vanguarda, esmagar, social e politicamente, a burguesia.

Logo após, uma visão sobre o futuro: Lula conta uma história sobre um grupo da FIEP que “procura os trabalhadores” para conversar sobre uma solução para o Brasil. Procuraram o PT, especificamente, por terem, nesse passado, uma visão que contempla o que é o PT atualmente. Essa aliança com a burguesia, chamada atualmente de “frente ampla”, há muito estava dada.

Uma classe trabalhadora socialista

“Nós ainda não conseguimos fazer a classe trabalhadora entender a necessidade de se organizar politicamente, a necessidade de militar politicamente. Ela tem a cabeça formada para ser totalmente apolítica. O conceito de que a política não presta ainda predomina no conjunto da classe trabalhadora, e é da nossa responsabilidade desfazer isso.”

E, por fim, temos ratificado e continuado o combate à organização revolucionária dos trabalhadores brasileiros. Uma sutil defesa de transformar todos os trabalhadores em socialistas, aliado ao tema da vanguarda ser o todo, a defesa do “político não é tudo igual” (como envelheceu mal essa afirmação levando em conta as ações do PT em seus governos), tudo isso compõe um conjunto que definia, então, a base anticomunista, e portanto, pró-burguesia, do PT, que contemporaneamente desnuda-se por total.

Seguem-se vários comentários sobre acertos, erros, não ver o socialismo em vida. Mas esse socialismo não tem um projeto, não tem uma vanguarda revolucionária organizada, não é exemplo e inspiração para as massas proletárias. Esse socialismo depende apenas da boa vontade de trabalhadores “politizados”, nos limites burgueses.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Cerimônia de fundação da República Popular da China, praça Tiananmen, 1949

Publicado originalmente em Em Defesa do Comunismo/sobre-a-china/

Se há um tema quente entre comunistas, é a China. Não precisamos, não podemos, e não devemos estagnar num estado em que apenas colocamos pomposas etiquetas para encobrir o não conhecimento pormenorizado das sociedades analisadas. Aqui vai um contexto inicial, para marcar o terreno em que estamos entrando:

País                      População   Percentual
Mundial               7.900.000.000    100,00%
China                 1.426.391.281     18,06%
Coreia Popular           25.778.816      0,33%
Cuba                     11.326.616      0,14%
Laos                      7.275.560      0,09%
Vietnã                   97.338.579      1,23%
Países Socialistas    1.568.110.852     19,85%

Temos aproximadamente (os dados de cada país referem-se a censos em diferentes anos, mas o que importa aqui são as ordens de grandeza, e não números exatos), 20% da população mundial vivendo sua jornada socialista, representados em sua quase totalidade pela China, lembrando que os demais países citados também se apresentam com grandes contingentes populacionais.

O socialismo é uma experiência viva, com todas as suas dificuldades e problemas, ocorrendo em pleno século XXI. Não é algo que foi varrido do mapa mundial com a queda da experiência soviética, embora as consequências dessa derrota sejam inegáveis e vividas por todos nós, cada vez mais.

O que me incomoda nos debates sobre os caminhos chineses é, primeiro e mais grave, ignorar ou diminuir a ação dos trabalhadores chineses. Ou glorifica-se o governo chinês (em raros casos especificamente o PCCh), ou então cai-se na simplificação de aplicar alguma etiqueta, como “capitalista”, “imperialista”, “traidora”, “revisionista”, “degenerada”, e tantas outras à experiência nacional como um todo. Em muitos casos, com nem sempre discretos tons de sinofobia.

Esses povos que se mantém ainda sob a égide socialista, nos ensinam vários caminhos, e devem nos levar a uma pesquisa madura sobre sua história, especialmente a contemporânea.

À exceção da Coreia Popular (que além de suas próprias forças, conta com o apoio chinês), percebe-se a presença e estímulo da atividade capitalista, seja formal, seja informal nos outros países. Nesse sentido, penso que a China é o grande palco da burguesia formal, com suas articulações internacionais, inclusive com operações em outros países. Em outro extremo, Cuba é assolada por uma multiplicidade atividades econômicas, seja pelos pequenos empreendimentos individuais voltados ao turismo (em que gorjetas e valores ganhos em um dia são múltiplas vezes superiores ao salário mensal de um trabalhador), seja pelo contrabando e mercado paralelo, além das atividades de maior vulto, formalizadas em geral, via aporte estrangeiro. Já Laos e Vietnã contam com aberturas profundas ao dito “livre-mercado”.

Tudo isso por si só já é complicado. Então, para dar mais um passo, vejamos algumas atuações internacionais. Na atual movimentação para uma nova guerra imperialista de alcance mundial e com reais chances de extermínio direto da humanidade, ou das condições necessárias para a nova sobrevivência, vemos uma intensa movimentação para reiterar a amizade com o povo russo, especialmente por parte de Cuba e China.

África e América Latina sendo tomados por capitais chineses, ainda que sem o caráter imperialista. Temos Cuba se declarando publicamente amiga do PSUV (https://pt.granma.cu/cuba/2023-08-10/o-pcc-e-o-psuv-estarao-sempre-no-mesmo-caminho-da-revolucao) ao mesmo tempo em que este já lutava abertamente para tomar o controle do PCV (https://diariodecuba.com/internacional/1692108912_49163.html).

Só trago esse caso particular para ilustrar que para além das políticas internas, as ações e relações exteriores dos governos e partidos revolucionários desses povos nem sempre serão aceitáveis. Devemos buscar um posicionamento sobre a China. Apenas reitero que isso não deve se resumir à escolha de qual etiqueta colocar no mapa da China.

Mesmo entre nós há uma prevalência de informações oriundas dos grupos privados de comunicação, cujo objetivo é desinformar. A pouca circulação de qualidade e minimamente confiável de informações sobre os países socialista ainda fica restrita às bolhas de internet. Nossa imprensa tem o dever histórico e internacionalista de divulgar o que ocorre nesses países, continuamente.

Nos casos de países que realizaram a conquista do poder político para o proletariado, o primeiro compromisso é com esses trabalhadores. A revolução socialista não significa que seja sempre possível varrer de imediato toda e qualquer relação capitalista. Pois ao simplesmente virar as costas para qualquer uma dessas experiências, o que se faz concretamente é virar as costas para o proletariado desse país.

Por isso insisto que devemos aprofundar nosso conhecimento sobre esses países. Não podemos viver de fotografias dessas sociedades, mas antes, estabelecer um acompanhamento vivo e contínuo de tudo que ocorre, o que só pode ser feito com trabalho profissional e dedicado, seja com o estabelecimento de sucursais de nossa imprensa em cada um desses países, seja pela participação ativa em algum órgão que reúna partidos comunistas para esse fim, o que poderia até nos qualificar como uma agência de notícias sobre o mundo do socialismo aqui no Brasil, por exemplo, além de nossa necessidade interna de permanente informação, para que não sejamos pegos de surpresa em possíveis grandes eventos.

Sobre China, Cuba e Coréia Popular, temos um intenso e bem feito trabalho de divulgação em português desses países, já seria um bom começo acompanhar e sistematizar esse material:

O mesmo vale para países em que temos organizações revolucionárias “mais chegadas”.

Mas voltando à China, precisamos não cair na função de etiquetadores, devemos estabelecer relações próximas com seu povo e seu cotidiano, assim como todos os outros países socialistas. Mais uma vez, não podemos voltar as costas ao grande palco da luta de classes do nosso século, com suas terríveis e fascinantes contradições.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Foto antiga da Escola Carlos Gomes

Digamos, para ilustração, que esses causos ocorreram verdadeiramente de verdade em um grande colégio estadual de São Paulo, digamos que no centro de Campinas, cujo nome é uma homenagem a um grande maestro campineiro...

Ela comanda a escola com mãos de ferro. Sempre vigiando a praça homônima. Sempre vigiando a entrada. Sempre vigiando a saída. Sempre vigiando cada sala de aula. Sempre vigiando o pátio. Sempre vigiando a cantina. Ela vigia cada professor. Sabe quanto cada aluno gasta na cantina.

Sim, aparentemente, ela também tem controle sobre os gastos individuais dos alunos. Mas falemos primeiro de uma obsessão muito particular e intrigante.

Dizem que pelos corredores da escola ecoam gritos estridentes de “E O UNIFORME????”... É o grande projeto de vida dessa engajada burocrata do sistema educacional. Em sua escola, ninguém deve estar sem o uniforme. Ninguém, ninguém, ninnnnnnnguéééééémmmmm!!!

Listas de desordeiros não uniformizados pipocam nas listas de mensageiria para que sejam punidos publicamente pela humilhação. Em cada comunicado, em cada reunião, em cada mensagem, a obsessão pelo uniforme se apresenta como uma maldição aos alunos.

Mas voltemos aos gastos na cantina.

Em um misto de inspeção e comunicado, em cada sala de aula, vem a mais divertida, cruel e destemperada frase:

Um uniforme custa trinta reais, vocês gastam muito mais que isso na cantina.

Não me lembro se escrevi aqui, mas se trata de um colégio público. O uniforme não faz parte do “kit escolar”. Tem que ser comprado. Justiça seja feita, em casos extremos, muito extremos, um e apenas um uniforme é doado.

Fiquei uma tarde inteira rindo com minha filha sobre essa frase, mas depois lembrei que a exigência “nesse quesito aí” fere uma lei estadual sobre o uso obrigatório de uniformes no estado de São Paulo:

https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1983/lei-3913-14.11.1983.html

Uma funcionária pública da educação infringindo uma lei estadual? Pode isso Galvão?

E os poderes da dama de ferro só crescem. Agora a repressão tem seu braço não armado, mas armado. Nesse dia, foi apresentado o funcionário responsável por averiguar o cumprimento do decreto lei da nossa, às vezes penso que caricata, diretora.

Um homem, com um cassetete na cintura, com autorização para inspecionar os banheiros masculinos (!!!), proibido de ter amizade com os alunos (palavras dela) estará pela escola vigiando, e quando possível, punindo, já que o cassetete é para ser utilizado para separar brigas que porventura ocorram.

A dama de ferro tem seu aparato de vigilância e punição.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Mais uma melancólica sexta-feira começa.

Os sempre cheios e atrasados ônibus impedem o otimismo. Na estação, correria para pegar outro ônibus, que está saindo. Ninguém se olha, ninguém dá passagem, ninguém se importa. Há um choque entre quem sai e quem entra como no encontro de dois corpos de infantaria numa batalha campal.

Uma doce e tímida voz chama meu nome. À terrível pergunta “Lembra de mim?” segue-se uma eternidade para minha óbvia e sem ­graça resposta “Claro!”.

Padronizados seres entram em uma padronizada conversa. “O que você anda aprontando? Trabalhando como sempre. Eu também... Meu ônibus! Tchau. tchau.”

Após a despedida, é claro, lembro de quem se trata.

Fico alegre apesar dela já ter ido embora, afinal de contas, se reencontrei, é porque já vivi.

Causo real acontecido verdadeiramente de verdade em Curitiba, no terminal Campina do Siqueira, 7 da manhã, por volta de 2005.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro