Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro

Parêmias nem tão pequenas, nem tão profundas, sobre a sociedade capitalista

Sobre continuar na carreira em um cargo operacional, apesar da idade e experiência.

Minha qualificação no assunto

Estando perto de completar 47 anos, essa é uma questão pertinente. Já fui um adolescente que programava profissionalmente. Comecei a programar aos 14 anos de idade, tenho mais de 30 anos na carreira de TI, e continuo na profissão, mas fazendo uma mudança de rumo “aos 45 do primeiro tempo”.

Comecei programador, mas tive mais tempo como Administrador de Sistemas, sempre programando, operando os sistemas, automatizando processos administrativos, e principalmente bebendo muito café.

E depois de um longo tempo como “consultor freelancer” (desempregado), voltei a um trabalho formal CLT, como desenvolvedor.

O problema

Acredito que o mais incômodo problema é a surpresa de muitos quando se deparam com alguém além dos 30 anos de idade insistindo em ser programador. Quem ama programar, entende. Quanto à maioria da população, parece ser um limite. Há algum tempo, li alguém perguntando se com 27 anos, ainda dava tempo de começar na carreira de desenvolvimento...

Programar pode ser apenas uma ponte para outras posições. Pode-se assumir cargos de gerência, supervisão ou em vendas, ou até mesmo tornar-se um empreendedor. Algo natural como um músico tornando-se maestro (ainda que um maestro possa ser visto como um músico que tenha como seu instrumento musical uma orquestra).

É um caminho.

Mas há o caminho de continuar programando. Há uma multiplicidade de problemas a serem resolvidos, com uma multiplicidade de ferramentas possíveis, métodos possíveis, paradigmas possíveis, nos mais diversos segmentos.

Uma solução

Uma solução é a invalidação desse problema. Experiências, ainda mais se forem diversificadas, só melhoram um programador, e, acredito, qualquer pessoa em qualquer profissão.

Há uma propensão em pensar no programador mais velho como um dinossauro da informática, que domina um conjunto de tecnologias consideradas ultrapassadas. Isso tem a ver com um padrão de emprego que está cada vez mais raro: a carreira em uma única empresa (ou em duas ou três do mesmo segmento), cuidando dos mesmos sistemas.

Mas não, um programador mais velho é apenas um programador com mais idade. Talvez tenha mais experiência que um jovem programador, se esteve na carreira por toda sua vida. E será menos experiente que um jovem programador, se começou a carreira mais tarde.

Concluindo

Não acredito que existam vantagens em ser mais velho ou novo. Há quem chore os anos passados e há quem chore a inexperiência. A cada dia bastam os seus problemas, é o que Cristo ensina. Portanto, o presente é o que importa.

Nem mesmo a inteligência emocional tem relação direta com a experiência. Tanto jovens como velhos podem ou não serem sábios em seus relacionamentos sociais, ou podem se sujeitar a condições de trabalho ruins. Cada qual por seus motivos. Tanto um como outro pode ou não ser produtivo. Tanto um como outro pode ser melhor ou pior pago.

Enfim, se me deparo com uma empresa em que a idade importa, ou a orientação sexual importa, ou a aparência física importa, ou a orientação de credo e fé importam, ou a orientação política importa, ou o local de nascimento importa, então estou diante de uma cultura empresarial aviltante conduzida por pessoas das quais quero a maior distância possível.

Por fim, um interessante depoimento em uma discussão no HackerNews:

I am 64. I wrote my first program in 1970 and have worked as a programmer since 1976. Programming was a good career choice. For many years I was a manager and pretty much hated it and returned to programming. I quit my job and went to work at IBM as a software engineer the year I turned 50. I was the oldest person in my department, and was a bit of a father figure to some of the kids there. Otherwise I did not fit in and left after two years. I worked at about the same salary on a job for the next ten years and now, at 64, I have a nice job helping to translate COBOL to Java. (...) Programming is not what I do, but who I am.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

O resto da turma, penso eu, tentava criar uma clojure, ou guardas para uma função recursiva sem mudança de estado, ou usar um iterador, para somar a sequência de um até 100. Afinal, com tempo disponível, para que fazer um loop? Gauss, mais prático, criou uma função genérica que retorna a soma dos números naturais até n, em tempo O(1).

Na minha imaginação, ele entra num estado conhecido como adlib, e simplesmente a solução acontece. Esse estado de adlib é uma das coisas mais incríveis que pode ocorrer a um programador.

Você está entediado, tentando trabalhar, e então a coisa acontece: seus ouvidos não reagem ao barulho do ambiente, seus olhos estão fixados na tela do computador, mas você não percebe os alertas diversos de seu desktop, seu olfato não entra em modo de alerta quando alguém passa, com uma xícara de café ou uma coxinha bem gordurosa, por você, seus dedos teclam freneticamente. Nem mesmo a abertura de um pacotão de doritos atrapalha.

Quando um programador está realmente concentrado no seu trabalho, pode ser que não seja “culpa” dele. Ele pode estar em adlib. É um estado de plena euforia.

Você manda compilar, compila. Você manda executar, executa. E tudo isso num código limpo e eficiente. Esse estado de adlib, muito comum em bons músicos, não ocorre por acaso.

Ainda com os músicos, depende de muito estudo, prática, conhecimento e experiência. Quanto mais você conhecer, mais fácil você entrará nesse estado. É um presente rápido, mas muito eficiente. Quanto mais seu cérebro estiver exercitado pelo estudo e prática contínuos, mais vezes você experimentará isso.

Isso ocorre com programadores, você até poderia não conhecer o nome, mas certamente já experimentou. E acontece mesmo nos ambientes mais hostis, não importa seu ânimo nem sua disposição. Eu mesmo experimentei soluções lindas que me valeram o dia, nos ambientes de trabalho os mais absurdos possíveis.

Mas isso é exceção. A regra é estudar, ser criativo e rigoroso.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Antes de qualquer coisa, uma confissão: há muito não me dedicava a uma boa e concentrada leitura. Daquelas que exigem muitas pausas para pensar, para buscar mais elementos de compreensão em outras fontes.

Isso mudou um pouco quando decidi comprar um kindle, por dois motivos: podia comprar livros mais baratos, e podia ler minha biblioteca em qualquer lugar, sem carregar peso. E foi uma importante mudança, pois reacendeu a curiosidade e, digo mesmo, a necessidade de leituras mais profundas.

E então iniciou-se um ciclo fantástico de dependências inter-relacionadas, em que preciso de leituras paralelas para poder continuar com coisas que comecei a estudar, novidades que me interessam, coisas que parei de ler...

Mas existem momentos, de um tal nível alto de prazer, em que a leitura mexe tão fundo com sentimentos esquecidos, em que a única reação possível é pausar a leitura e aproveitar esse verdadeiro gozo estético.

E não estou falando de literatura de contos, romances, novelas, ou poesia. Estou falando de leitura técnico-científica.

Isso mesmo! Livros bem escritos, de autores que além do conhecimento técnico, tem o dom de bem escrever. Não é fácil encontrar gente assim, livros assim, mas eles existem.

O primeiro, um livro sobre matemática elementar, da SBM – Sociedade Brasileira de Matemática (essa instituição merece um texto à parte, por seu trabalho no Brasil junto com o IMPA – Instituto de Matemática Pura e Aplicada), “Tópicos de Matemática Elementar – Volume 1: Números Reais”, de Antonio Caminha Muniz Neto.

Eu já estava encantado com a leitura, com a condução na construção do instrumental relacionado à manipulação dos diversos conjuntos numéricos quando, olhando as referências bibliográficas sugeridas para um tópico, estava citado o livro de Elon Lages Lima, “Curso de Análise, volume 1”.

Quem passou por esse livro, certamente acabou lendo mais obras desse matemático, incansável na luta pelo bom ensino da matemática no Brasil, com cursos, palestras e livros dedicados não só à matemática mais atual, mas a um ensino saudável e acima de tudo honesto, de seus princípios mais básicos.

E não há, em minha opinião, nada mais clássico que o primeiro capítulo desse livro, “Conjuntos finitos e infinitos”. Mais que a teoria ali apresentada, deduzida e explicada, estão os exercícios. Em nenhuma outra leitura minha, em qualquer área de conhecimento, jamais experimentei esse encontro entre ciência, prazer literário e pedagogia. O professor Elon de fato nos leva pelas mãos a um dos mais importantes fundamentos da matemática, que é a teoria dos conjuntos.

Teoria dos conjuntos pra gente grande!

O prefácio do livro deveria ser leitura obrigatória para qualquer estudante em qualquer área do conhecimento. Nele o professor se dispõe a orientar seus leitores, que embora conduzidos, mover-se-ão por conta própria.

Procure o livro, vale à pena a leitura atenta do prefácio, bem como, no mínimo, uma passeada por ele.

E aí fiquei eu um bom tempo sentindo o que senti há tantos anos já passados, quando com muita dificuldade tentava resolver os problemas sugeridos, cujo mais importante objetivo era exercitar o levantamento, formalização e teste de hipóteses.

E o outro livro, excelente na sua tradução em português mesmo (o que é uma raridade, mas tem um segredo: Luciano Ramalho é o revisor técnico), é o “A Linguagem de Programação GO”, cujo um dos autores é ninguém nada mais que o já lendário Brian Kernighan.

Outro livro excelente, com leitura fluída, exemplos claros, e exercícios propostos desafiadores e elucidativos (o capítulo sobre testes é uma pequena obra à parte).

Mas aqui não foi uma referência, foi uma imagem. Lendo o livro, do nada, chego à uma imagem representando o conjunto de Mandelbrot. Essa é a imagem que certamente mais me fascinou no começo de minha faculdade de matemática. Por conta dessa imagem e da facilidade de representar esse conjunto, aprendi a programar em C, para fazer minhas próprias imagens, e conhecer outros fractais, além de um pouco sobre a Teoria do Caos. Uma boa referência sobre o assunto, com um bom autor, é o livro “Caos. A criação de uma nova ciência”, do jornalista James Gleick.

E novamente, lembranças de um tema que está sempre presente e de inegáveis experiências estéticas na ciência. As leituras sobre fractais me levaram a campos muito interessantes, me fizeram programar mais, e me abriram as portas à filosofia.

Tudo isso por conta de bons livros impressos, escritos por bons autores, preparados por bons editores, dos quais não consigo me livrar, apesar de todas as novas comodidades tecnológicas.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro

Eis que a escola em que minhas filhas estudam, Escola Estadual Carlos Gomes em Campinas, foi invadida por um jovem em situação de rua, extremamente alcoolizado.

Como lidar com uma pessoa nessa situação, é coisa que qualquer um com o mínimo de vivência sabe fazer. Mas estamos num período terrível de concretas ações de morte, e de pânico generalizado.

Um sujeito exasperado e desesperado pela possibilidade de algo ruim acontecer, decide agir como um herói, no meio de crianças no horário de entrada. Esmurra o bêbado, que sangra, e o imobiliza no chão.

Quem está perto, percebe o que ocorre. Quem está longe, principalmente as crianças, só enxerga um sujeito sangrando caído no chão, e adultos gritando.

E diante de tudo o que vem ocorrendo em escolas, ficam desesperadas. Correm pra rua, muito movimentada, ou correm para dentro do prédio, para fugir. Pais, professores, funcionários, ou se desesperam, ou tentam conduzir as crianças da melhor forma.

Detalhe: era o horário de entradas das séries iniciais, das crianças mais novas. E nessa bagunça chegam rapidamente polícia militar e guarda civil, com armamento pesado, misturando-se à correria.

E no relato de minha filha mais nova, a única certeza que se formava na cabeça dela e de seus colegas, era que estavam vivendo um massacre.

Esse “invasor” poderia estar morto agora. Com crianças como plateia. Algum pai armado, poderia sim promover uma tragédia, disparando tiros em meio a uma multidão. Falhamos em não ter calma, em nos deixar levar por esses malditos extremistas.

Paulo Henrique Rodrigues Pinheiro – https://bolha.us/@paulohrpinheiro