Diário de um bipolar
Pequenos textos que escrevi e publiquei num período de oito meses, quando a bipolaridade deu um tapa na minha cara e disse “eu que mando” :)
28/mar/2016 – Desespero
Eu preciso!
Precisar dormir e não conseguir…
28/mar/2016 – Dormir
Dormir! Três em ponto, quando comecei a escrever esse post. Um horário terrível, pois é meu limite para descansar e conseguir realizar as tarefas do dia (e da semana) que logo mais começarão, às 5h30. A mente não para, a mente não descansa, a mente é incontrolável! Não, não durmo quando decido, apenas decido ficar deitado esperando apagar.
28/mar/2016 – mais um projeto
O sono está chegando mas eu não consigo dormir. Eu preciso fazer alguma coisa. Está quieto, estou sozinho. Já é 1h00 da manhã, e eu só consigo dormir depois das três. Os momentos de depressão estão presentes, os sinto em meu corpo. Mas há alguma coisa que me deixa aceso. Eu faço muita coisa, mas não o que preciso, apenas o que me interessa. Vários projetos novos, publiquei muitos artigos técnicos, mas não consegui trabalhar. Então, está aí mais um blog, mais um projeto começando...
28/mar/2016 – Manoel Bandeira
Substâncias químicas...
Uns tomam éter, outros cocaína. Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria. (Manoel Bandeira, “Libertinagem”, 1930)
Houve tempo em que eu pensei ser assim.
Mas agora, enquanto os que sobreviveram continuam com suas drogas, eu estou à mercê do desequilíbrio de algumas substâncias em meu cérebro.
Eu já tomei alegria, hoje tomo tristeza.
29/mar/2016 – Fracassado
A cada dia a frustração aumenta por conta dessa sensação de fracasso, de incapacidade. Está tudo fugindo pelas minhas mãos. Os gênios bipolares… O que EU vou deixar? Como EU vou me sustentar? Como EU vou sustentar minhas filhas? Quando EU vou parar de atrapalhar a vida de tanta gente?
30/mar/2016 – A cor da esperança
Finalmente consegui dormir mais que quatro horas. Sinto-me forte, renovado, e não paro de cantarolar e assobiar essa música do Cartola. Levantei cedo sem ser apático com minha filha, que acorda cedo e, ao contrário de mim, alegre e carinhosa, cantando, todo dia. É das coisas mais lindas, e hoje consegui novamente me encantar com isso. O dia promete!
31/mar/2016 – Horários
Muitas responsabilidades definem meu mínimo de coisas a fazer. Horários para refeições, para levar as crianças à escola, atividades extras, tarefas, banho… O dia é um inferno, cada hora passando como a mais sádica das sessões de tortura. Dormir entre cada atividade é o segredo de manter um pouco de sanidade, de diminuir o desespero.
01/abr/2016 – Tim Maia
Tim Maia tem algo a dizer sobre o eterno debate das formas de trabalho: seja empreendendo, sendo funcionário, freelancer, home-office, presencial, empresa tradicional ou startup, o que eu quero é sossego. E isso não significa não enfrentar problemas, não trampar muito, significa apenas ter sossego.
05/abr/2016 – Louco
Esse é meu maior medo...
Ele é louco, não dá pra confiar.
Esse é meu maior medo: que toda discussão acabe com esse argumento. Que toda a gente calhorda se proteja e se esconda me tachando de alucinado. Eu sei o que vi, eu sei o que vivi.
12/abr/2016 – Super poder
O super poder de aprender qualquer coisa em tempo recorde. Reescrever um projeto inteiro no mesmo dia em que aprendo uma nova linguagem de programação, ou um novo framework, ou um novo banco de dados.
17/abr/2016 – Desconectado
Texto: 9 Sinais de que você se desconectou de si mesmo
Vale a leitura. Se você se desconectou, mas não tem controle sobre isso, procure um médico. Siga o conselho de quem ainda não fez isso e paga um preço altíssimo.
19/abr/2016 – Sabotador
Mais um cliente com quem furo. Tão fácil o que preciso fazer, tão descomunais as forças que me impedem, tão vergonhosa a situação. Preciso trabalhar, mas não posso mais atrapalhar a vida de ninguém, sabotando projetos alheios.
26/abr/2016 – Vazio
Uma Internet de coisas para ver, nada mais me anima. Não há o que procurar, não há o que eu não tenha visto infinitas vezes. De site em site, recarregando pra ver se tem uma atualização.
03/maio/2016 – Mais 12 horas
Esse blog ocupou minhas últimas doze horas (este é um post em fila). Conteúdo publicado e conteúdo engatilhado, visual, conta de twitter, avatar, agregador de blogs. Sigo no automático, fazendo o que quero e não o que preciso.
10/maio/2016 – Indecisão
Em uma semana fui capaz de, em um projeto em andamento, abandonar Django, passar para Perl/Mojolicious, desistir e voltar para Flask. Comecei a reescrever o projeto usando CherryPy, Bottle, Pyramid, RubyOnRails, Dancer, Catalyst, alguma coisa de NodeJS. MySQL, SQLite e MongoDB ajudaram na matriz desses experimentos. Uma semana que me custou várias semanas sem conseguir programar.
16/maio/2016 – Hibernando
É assim que funciona: você passa um tempão hibernando, e esse um tempão é um tempão mesmo, pois cada hora minha dura dezenas de horas de uma pessoa normal. Em um dado momento, acaba a hibernação. Aí é desespero. É preciso recuperar o tempo perdido, fazer tudo que não foi feito, fazer coisas novas. Mas é algo três patetas com uma escada, nada dá certo. Então volta a hibernação.
23/maio/2016 – A marcha do tempo
É sem volta. O tempo não perdoa. Estou em estado de hibernação, portanto tudo passa muito lentamente, hora após hora, da mais mórbida monotonia e desesperança. Mas passa, caminha, avança. Praticamente metade do ano. Por graça de Deus, tenho um certo conhecimento não volátil. Continuo sendo um programador útil, mesmo não estando na crista das modinhas atuais.
31/maio/2016 – Sete meses...
Sete meses de incapacidade, descontrole da minha vida, vazio. Minha depressão está maior que um ciclo de desenvolvimento da linguagem rust. Tudo perdeu sentido. Até um governo foi deposto. Até meu estoque de posts acabou.
15/dez/2016 – Quase
Procurei, encontrei, aprendi. Muitas vezes procurei em casa o lugar perfeito, a corda perfeita, o momento perfeito. Chegou esse dia. Ninguém em casa, e sinto uma paz dentro de mim. Agora vai acabar. Minhas filhas, pequenas, saíram com os tios e não vão pousar em casa. Minha esposa, trabalhando. A corda está posta no pescoço, do lado certo. É só eu me jogar. Para que seja efetivo, preciso de alguns minutos. Mas escuto barulhos, tiro a corda do pescoço, desfaço o nó. Minha filha mais nova (3 anos) estava desesperada com saudades de mim, e obrigou os tios a trazê-la de volta para casa. Salvou minha vida.
Antissociabilizando nas redes
Um pouco sobre como resolvi assumir minha antissociabilidade e não gastar tempo com certas redes sociais, além de vencer uma pesada depressão.
Tentando socializar
Pois bem, estamos na Internet, temos que nos relacionar, construir networking, produzir conteúdo, participar de comunidades, contribuir em projetos, e ficar sussa com todos os outros aspectos da vida.
E lá fui eu, depois de cometer orkuticídio, participar do Facebook e do Twitter, e por fim, do Linkedin.
Distraí-me por alguns anos no Facebook e, por minha culpa, somente minha, perdi muito tempo, irritei-me bastante, e devo ter irritado muita gente. Topei pessoas interessantes, coisas legais, mas no balanço geral, muito pouco aproveitei.
Pra disfarçar no Face, estava em muitos grupos de programação, mais escutando, e eventualmente participando. Mas principalmente, percebi pelo Facebook a escalada de ódio político na qual nos jogamos, na qual o país está afundado. Da velha militância política de outros tempos, eu já sabia o caminho que o país percorreria, inclusive o golpe de estado e a violência estatal sem tamanho a que justamente os mais desprotegidos estão sujeitos. A rasteira levada pela socialdemocracia e o despertar das forças revolucionárias.
Voltando ao assunto, quando fiquei desempregado, quase me tornei um especialista em Linkedin. Tudo que é recomendado fazer para ter um perfil “campeão”, eu fiz. O que valeu à pena no Linkedin, é que quando pedi recomendações, as boas amizades do passado se fizeram presentes, até me surpreendendo pelo carinho com que me recomendaram.
Todo esse trabalho nunca me rendeu uma oferta de trabalho ou emprego.
Participação em grupos, tentei, mas é muito chato. O pessoal que participa desses grupos quer mais “se aparecer”, de um jeito muito ruim. Escrevi no Pulse, alguns poucos e leais leitores.
Outros
Modinha de startup também participei, estando nas redes sociais apropriadas, como a CoFoundersLab, na qual tive um pouco de proveito, me oferecendo como sociotécnico, e até pagando de CTO. Muita conversa, muitos planos, muito debate, e muita energia gasta.
Caindo fora
Estimulado pela minha esposa, que já tinha cancelado seu Face, decidi também cancelar. Analisando friamente os resultados do Linkedin e os rumos de minha carreira, decidi sair.
Fiquei um tanto preocupado com o Linkedin. Mas o bom e velho currículo e a conta no github (que é de inciante mesmo) são os meios pelos quais tenho conseguido chamar a atenção para trabalhos e entrevistas de emprego.
Enfim, analisei meu impacto nessas redes sociais, percebi a realidade, e caí fora.
Voltando às origens
Sou nerd, quero nerdices! Agora tenho um fluxo de informações bem mais adequado e interessante. Basicamente por intermédio do Medium, do Twitter, do /dev/all, e do Youtube, o qual enxuguei bastante a lista de canais que sigo.
Com tudo isso, venci uma depressão brabíssima, que além de quase acabar comigo, praticamente acabou com minha carreira profissional.
Ressurgindo das cinzas, consegui alguns freelas fora do Brasil (eu sou péssimo para me comunicar em inglês, e estou falando de inglês escrito, mas leio de boa), alguns dentro do Brasil, e um projeto de mais logo prazo, que é o que está me garantindo financeiramente agora.
Alguns testes e entrevistas, que apesar de não terem dado em nada, levantaram minha moral. Estou desenvolvendo em Ruby (aprendendo), aprendendo Rust, criando vergonha na cara e aprendendo pra valer HTML, CSS e Javascript.
Pra quem já passou pela depressão, sabe o quão preocupante são os momentos de compulsão. Felizmente estou normal, conseguindo concluir o que me proponho, e não me impondo infinitas atividades.
E a volta às origens? É a volta da alegria, do enfrentamento direto com as dificuldades da vida, a volta a um estado permanente de aprendizado e descobertas.
Vida além dos computadores tenho em casa, com minha esposa, com minhas filhas, com os amigos. Que as redes sociais continuem me sendo úteis para o que elas são úteis!
Sobre a depressão
Uma das únicas coisas que fiz, quando estava no mais profundo de minha depressão, foi criar o ProgramadorBipolar. Espero que esse seja o último texto desse blog. O primeiro em que mostro quem sou.
A única ajuda que busquei foi um aprofundamento em minha relação com Deus, e isso serviu para mim, me ajudou, me libertou. Mas cada um é cada um, e é preciso, nesse abismo profundo, encontrar o que possa reverter esse quadro, ou pelo menos, nos manter vivos até que “la tortilla se vuelva”.
Se você que me acompanhou, quando me fiz anônimo, passa por coisas parecidas, resista e lute. Não faça como eu, procure ajuda. E se a ajuda que você precisar for um bom escutador, esse sou eu, é só me procurar.
PS: voltei ao linkedin, o site para busca de empregos mais eficiente que já usei :)