“… julgamos as outras pessoas por suas ações, mas queremos ser julgadas por nossas intenções.” Alex Castro.
Sempre que faço a barba, escuto comentários sobre minha aparência (mesmo sem pedir). Não tenho problemas com opiniões (mesmo as não solicitadas), só quando são repetitivas… Geralmente são comentários bem intencionados (assim como a estrada para o inferno), mas expressos de forma que, às vezes, podem soar violentos, tipo: “Você fica melhor sem barba.”
Falando assim, parece até um elogio, mas como linguagem tem a ver com construções de sentidos, a primeira coisa que realmente penso é o não dito, que talvez, pode ser: “Você fica melhor sem barba porque com ela fica feio!” Sem problemas ser feio, mas ser uma mente desconfiada pela Análise do discurso crítica (ADC), sempre parafraseando os não ditos…
O fato é que existem formas menos invasivas de se comentar sobre a aparência das pessoas. A primeira delas seria comentar apenas para si (na mente), ou seja, não expressar. Se isso não for uma opção, talvez reconsiderar antes, os possíveis efeitos do que será dito para outra pessoa, tentando se colocar no seu lugar, a partir do que se sabe dela, pouco ou muito (pegou a ambiguidade do “se colocar no seu lugar”?).
O famoso exercício de empatia que, na verdade, não é se colocar no lugar do outro, mas acolher o que a outra pessoa te diz sobre a perspectiva dela (não da sua), uma habilidade complexa que negligenciamos, às vezes simples para alguns, mas nem tanto para outros. Porém, sempre possível de ser desenvolvida.
Aquele ditado que diz, “faça com os outros o que gostaria que fizessem com você” é furada, simplesmente, porque somos diferentes. Uma pessoa “burucutu” (tipo o doutor House) naturalmente vai se identificar com tratamento “burucutu”, mas uma pessoa sensível, obviamente, não.
Conheci pessoas que sofriam por aspectos de sua aparência que para mim, olhando de fora, eram tão mínimos que sequer conseguia percebê-los. Por isso, no primeiro parágrafo usei a frase “podem soar violentos”, para lembrar que a questão da aparência é muito subjetiva. Mais uma vez: o que pode ser considerado bom para uma pessoa, pode não ser para outra.
Como pessoa que desenha, todo o rosto me parece bonito (ninguém acredita em mim), porque enxergo beleza nos traços que formam cada composição. Pessoalmente, acredito que o que torna um rosto bonito mesmo são as assimetrias. O que para alguns é o mesmo que defeito, daí inventaram a harmonização facial (a meu ver, a verdadeira distorção).
Como o melhor lugar para se esconder é em público, a beleza se esconde nas imperfeições.
O que me lembra de mais um mito fortemente arraigado em nosso imaginário, os ditos traços negroides. Como se lábios grossos, nariz achatado e cabelos crespos fossem exclusividades apenas das pessoas negras. Não são. Esse mito se iniciou com as pseudociências eugenistas, aquelas que pregam a inferioridade de grupos humanos a partir da genética, e infelizmente, permanecem até hoje pelo racismo. Uma conversa para outro texto (mas tenho um chamado “Sobre o racismo…”, caso queria ler)…
Outro fato é que, apesar de nossa identidade (social) ser constituída pela linguagem a partir das representações do outro (outras pessoas) sobre nós, somada a nossa recepção dessas representações, além das aparências, também somos aquilo que não sabemos definir, simplesmente porque somos processos e, portanto, inacabados. Ou, como bem disse a Rita von Hunty no Provoca de 25 de janeiro de 2022:
Quem eu sou, acho que me estaciona, quem eu posso ser, me mantém em movimento.
Esse texto é um pedido (a você que me lê) de não julgamento sobre a minha aparência (nem das outras pessoas), que em nossa sociedade esquartejada por diversos preconceitos (para nosso azar) se aproxima da imagem do opressor (para meu azar).
Sei que quando me olham, veem um homem tipo o Ned Stark (Crônicas de gelo e fogo), com a severidade de suas responsabilidades enquanto senhor de uma casa nobre. Até carrego o peso das minhas, mas ao contrário das dele, estas tem a ver com manutenção de escassez (sou pessoa adulta desempregada). Da nobreza dele, só compartilho mesmo o profundo senso de justiça.
Quem me vê por fora, não imagina que sou homem branco com letramento racial prático (criança branca criada por mãe de família matriarcal negra); que já fui participante de caruru de sete meninos na infância; ou jovem de interior (recôncavo baiano), de pesca e plantação e colheita da mandioca até a feitura da farinha e derivados em casa de farinha, que já aprendi (enquanto dava aulas) em espaços de ancestralidade (terreiros, comunidades indígenas e quilombolas) e espaços de reintegração social de jovens sob medidas socioeducativas…
Enfim, as aparências são superficiais, não deixam as pessoas se enxergarem realmente, e o que elas não enxergam em mim, e provavelmente também em você, é que por dentro, somos universos diversos. Pessoalmente, estou mais para o Bran jovem, uma mente empática e curiosa, desejando apenas explorar o castelo e se perder na floresta vizinha e assim como ele, também já sofri minha grande queda (como aposto, você também já sofreu as suas)…
Sobre o tema aparência, recomendo fortemente o conto “Gostando do que vê: um documentário” do Ted Chiang, no seu livro “História da sua vida e Outros Contos”.
Rascunhos de escrita, antes de publicação no sitezinho