jackson

... leio e escrevo {códigos}, poesia, (receitas) e prosa...

Quando criança (e participante do catecismo), pedia perdão a deus por desejar ser surdo. Ficava triste com esse pensamento, gostava de ouvir música (ainda gosto). Recentemente, assustei uma amiga: não conseguir esconder um desses episódios de “desconforto” auditivo. Ela me perguntou se doía, rapidamente assenti. Só depois, já em casa, pensei que melhor seria: sim, mas por dentro (e ânsia de vômito e desgaste físico).

O mais curioso, é que eu já era meio “surdo” antes, e nem sabia! Só me dei conta depois da primeira limpeza de ouvido. Um dia inesquecível, a sensação de ouvir tudo, sem conseguir focar, desorientação total. Por sorte, não estava só. É intrigante saber que o acúmulo de cera me protegeu por tanto tempo. Mas desde aquele dia, não fosse os fones de ouvidos…

Rascunhos de escrita, antes de publicação no sitezinho

O racismo me parece um processo de desumanização de mão dupla, no sentido em que, para desumanizar a pessoa negra, do jeito que ele fez e continua fazendo através da mente e corpo, é preciso que o homem branco já tenha antes também se desumanizado, ainda que ele não perceba; o que não o exime de sua responsabilidade (seja ela por ignorância e/ou má-fé)!

Não me intriga o racismo ser a pior coisa já concebida pelo homem branco (e devemos sempre apontar a responsabilidade deste problema), porque a gente já viu não haver limites para maldade, mas o fato dele ser recente, numa escala histórica; e hoje, nós vivemos nessa distopia, como se ela estivesse aí desde sempre…

Solidariedade a todas as pessoas negras que sofrem com o racismo. Tenho esperança que, num futuro próximo, olharemos para hoje, da mesma forma que olhamos para o mais famoso holocausto (pois os mais letais, impostos às populações africanas pelo dita “civilização” europeia, o racismo, ainda não nos deixa enxergar), com olhar de repugnância.

E quando este dia chegar, também espero nos perguntar como conseguimos aceitar conviver com tamanha atrocidade. Porque a única diferença entre o conhecido holocausto do passado e o “desconhecido” racismo de hoje, é que este último continua matando, eficientemente, to-dos-os-di-as!

Um escritor que gosto (o Raimundo Carrero) diz que o jornal é a dor do mundo. Para mim, a dor do mundo, a real desgraça do nosso mundo mesmo, é o racismo.

Já escrevi “Sobre o racismo…”

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Somos instantes (realmente)…

Hoje, na primeira aula de escrita criativa, estava todo feliz por conseguir me matricular e a aula estava indo tão bem, com a professora referenciando várias pessoas autoras que eu já conhecia, a turma também empolgada, tudo ótimo…

Até que, no final, entreguei a ela o livro coletivo, resultado de uma oficina de haicai, de que participei na pandemia e, enquanto ela lia a capa, comentou que o organizador da obra (e mediador do curso) havia falecido.

Nessa hora, só tive como reação colocar a mão no rosto, por uns segundos (e nesse breve intervalo, rever toda a nossa curta, mais intensa interação naquela oficina). Acho que nunca saberei expressar com palavras esse sentimento de vertigem que a gente sente quando ouve uma notícia dessas, a percepção da ausência…

Ele foi uma pessoa com quem tive contato por apenas algumas semanas, mas o nosso grupo se deu tão bem (tanto que publicamos o livro), que parecíamos que já nos conhecíamos há muito tempo. Estávamos todos preocupados naqueles tempos de morte, mas mesmo assim, nos encontrávamos assídua e remotamente para estudar e escrever. Então, assim como a jovem psicanalista do meu conto Sobre “fraquezas”…, não tive como não esconder minha reação.

A professora pediu desculpas, mas também não tinha como ela saber que eu não sabia daquela informação (e isso me acontece com mais frequência do que gostaria). De qualquer forma, tentei e acho que me recompus rápido, acho.

Foi a segunda vez que isso me ocorreu esse ano, a anterior foi antes de eu apresentar uma avaliação final numa disciplina e um antigo coordenador, que nunca me enviava mensagem, enviar uma (por isso achei de ler na hora) avisando da morte de um amigo do curso no qual dávamos aula.

Enfim, a morte sempre é algo triste, mas parece muito pior quando vem assim, sem avisos e injustamente antes do tempo, essas duas pessoas eram tão jovens…

Link para o livro

Este texto não é um rascunho, apenas um registro pessoal, por isso não vai para o sitezinho.

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“… julgamos as outras pessoas por suas ações, mas queremos ser julgadas por nossas intenções.” Alex Castro.

Sempre que faço a barba, escuto comentários sobre minha aparência (mesmo sem pedir). Não tenho problemas com opiniões (mesmo as não solicitadas), só quando são repetitivas… Geralmente são comentários bem intencionados (assim como a estrada para o inferno), mas expressos de forma que, às vezes, podem soar violentos, tipo: “Você fica melhor sem barba.”

Falando assim, parece até um elogio, mas como linguagem tem a ver com construções de sentidos, a primeira coisa que realmente penso é o não dito, que talvez, pode ser: “Você fica melhor sem barba porque com ela fica feio!” Sem problemas ser feio, mas ser uma mente desconfiada pela Análise do discurso crítica (ADC), sempre parafraseando os não ditos…

O fato é que existem formas menos invasivas de se comentar sobre a aparência das pessoas. A primeira delas seria comentar apenas para si (na mente), ou seja, não expressar. Se isso não for uma opção, talvez reconsiderar antes, os possíveis efeitos do que será dito para outra pessoa, tentando se colocar no seu lugar, a partir do que se sabe dela, pouco ou muito (pegou a ambiguidade do “se colocar no seu lugar”?).

O famoso exercício de empatia que, na verdade, não é se colocar no lugar do outro, mas acolher o que a outra pessoa te diz sobre a perspectiva dela (não da sua), uma habilidade complexa que negligenciamos, às vezes simples para alguns, mas nem tanto para outros. Porém, sempre possível de ser desenvolvida.

Aquele ditado que diz, “faça com os outros o que gostaria que fizessem com você” é furada, simplesmente, porque somos diferentes. Uma pessoa “burucutu” (tipo o doutor House) naturalmente vai se identificar com tratamento “burucutu”, mas uma pessoa sensível, obviamente, não.

Conheci pessoas que sofriam por aspectos de sua aparência que para mim, olhando de fora, eram tão mínimos que sequer conseguia percebê-los. Por isso, no primeiro parágrafo usei a frase “podem soar violentos”, para lembrar que a questão da aparência é muito subjetiva. Mais uma vez: o que pode ser considerado bom para uma pessoa, pode não ser para outra.

Como pessoa que desenha, todo o rosto me parece bonito (ninguém acredita em mim), porque enxergo beleza nos traços que formam cada composição. Pessoalmente, acredito que o que torna um rosto bonito mesmo são as assimetrias. O que para alguns é o mesmo que defeito, daí inventaram a harmonização facial (a meu ver, a verdadeira distorção).

Como o melhor lugar para se esconder é em público, a beleza se esconde nas imperfeições.

O que me lembra de mais um mito fortemente arraigado em nosso imaginário, os ditos traços negroides. Como se lábios grossos, nariz achatado e cabelos crespos fossem exclusividades apenas das pessoas negras. Não são. Esse mito se iniciou com as pseudociências eugenistas, aquelas que pregam a inferioridade de grupos humanos a partir da genética, e infelizmente, permanecem até hoje pelo racismo. Uma conversa para outro texto (mas tenho um chamado “Sobre o racismo…”, caso queria ler)…

Outro fato é que, apesar de nossa identidade (social) ser constituída pela linguagem a partir das representações do outro (outras pessoas) sobre nós, somada a nossa recepção dessas representações, além das aparências, também somos aquilo que não sabemos definir, simplesmente porque somos processos e, portanto, inacabados. Ou, como bem disse a Rita von Hunty no Provoca de 25 de janeiro de 2022:

Quem eu sou, acho que me estaciona, quem eu posso ser, me mantém em movimento.

Esse texto é um pedido (a você que me lê) de não julgamento sobre a minha aparência (nem das outras pessoas), que em nossa sociedade esquartejada por diversos preconceitos (para nosso azar) se aproxima da imagem do opressor (para meu azar).

Sei que quando me olham, veem um homem tipo o Ned Stark (Crônicas de gelo e fogo), com a severidade de suas responsabilidades enquanto senhor de uma casa nobre. Até carrego o peso das minhas, mas ao contrário das dele, estas tem a ver com manutenção de escassez (sou pessoa adulta desempregada). Da nobreza dele, só compartilho mesmo o profundo senso de justiça.

Quem me vê por fora, não imagina que sou homem branco com letramento racial prático (criança branca criada por mãe de família matriarcal negra); que já fui participante de caruru de sete meninos na infância; ou jovem de interior (recôncavo baiano), de pesca e plantação e colheita da mandioca até a feitura da farinha e derivados em casa de farinha, que já aprendi (enquanto dava aulas) em espaços de ancestralidade (terreiros, comunidades indígenas e quilombolas) e espaços de reintegração social de jovens sob medidas socioeducativas…

Enfim, as aparências são superficiais, não deixam as pessoas se enxergarem realmente, e o que elas não enxergam em mim, e provavelmente também em você, é que por dentro, somos universos diversos. Pessoalmente, estou mais para o Bran jovem, uma mente empática e curiosa, desejando apenas explorar o castelo e se perder na floresta vizinha e assim como ele, também já sofri minha grande queda (como aposto, você também já sofreu as suas)…

Sobre o tema aparência, recomendo fortemente o conto “Gostando do que vê: um documentário” do Ted Chiang, no seu livro “História da sua vida e Outros Contos”.

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“A pintura é poesia muda; a poesia, pintura cega.” Leonardo da Vinci.

Por que quem escreve códigos (pessoas programadoras) também deveriam escrever poemas?

Resposta curta.

Porque, em certa medida e em relação à criatividade, os primeiros nos limitam, enquanto os segundos nos estimulam.

Resposta longa.

Códigos são conjuntos reduzidos de instruções que damos aos processadores. Poemas são materializações atemporais e n-dimensionais da poesia no texto escrito ou oral. Lembrando, poesia é aquele sussurro rítmico que nos sopra o espírito e se manifesta através das artes (plásticas, cênicas, literárias, musicais…). Os primeiros são construções humanas, a segunda (dizem), revelação divina.

Poemas, então, são bloquinhos leves de textos escritos (e declamados), semanticamente saturados de imagens poéticas voláteis, como fótons borboletas voando despreocupadas próximos a discos de acreção das singularidades cósmicas; por isso, no poema, também são possíveis divisões por zeros.

Assim como a gravidade é o efeito da distorção de corpos massivos no tecido espaço-tempo, o discurso poético é o efeito de sentidos nos espíritos dotados de linguagem.

Um poema relido jamais replica os mesmos efeitos da primeira leitura, nunca! O poema é o mesmo, enquanto materialidade textual, a leitura não. As variáveis tempo e subjetividades se transpassam em sentimentos diversos, como partículas colidindo em aceleradores, decaindo em outras sensações, novas e fundamentais.

E da mesma forma que as partículas ganham massa nas interações com o campo de Higgs, cada (re)leitura de um mesmo poema fornece imagens (e altera o estado de consciência) na realidade de quem o lê (se assim o permitir, claro).

Em contraste, o código de computador, apesar das refatorações (diversas possibilidades de arranjos de suas variáveis), ainda assim, sempre dará um mesmo e esperado resultado. A constante faz parte de sua natureza, enquanto objeto virtual e rascunho de simulacro da realidade que tenta representar.

O processador binário, apesar de incrivelmente rápido, não possui aquele “sussurro inspirador”, nem se expande como uma mente antes de inalar (e às vezes, quase se afogar) o momento da criação (incluindo a literária). O processador trava em seus processamentos e a IA (inteligência artificial) até alucina. Mas apenas um cérebro orgânico se contrai e se dilata a cada sentimento, o pulso do amor razão (aquela ilusão vinda do coração).

Neste sentido, até as alucinações da IA orgânica (indivíduo atormentado) servem de matéria-prima para a escrita, literária e poética. Podemos escrever poemas com códigos (e vice-versa) e podemos ensinar a IA gerativa a copiar nosso jeito de escrever códigos com poemas (e vice-versa), mas apenas o jeito… porque programar também pode ser uma atividade artística, mas a atividade artística… entendeu né?

Falando em servir, a arte não serve para nada, nem ninguém, nesse sentido capitalista de serviço. Relembrando Ferreira Gullar, “A arte existe porque a vida não basta”, fazemos arte (e poesia) para viver outras vidas. É quase impossível aprender todas as linguagens de programação, mas muito fácil experienciar todas as estórias d'As mil e uma noites…

A linguagem de máquina é isso, uma redução simplória do pensamento humano. Talvez daí a dificuldade de muitos em programar. Como encaixar algo como criatividade em casquinhas de amendoins do tamanho de bits? Se for seu caso, não se sinta menos inteligente por isso; inteligência é qualidade (habilidade que se desenvolve), não quantidade.

Ser bom em qualquer atividade tem a ver com esse esforço consciente de desenvolvimento. O “saber de cor”, do latim/francês, “savoir par coeur”, é uma expressão do tempo em que se acreditava que este órgão comandava a razão, e com sentido de saber automático. Talvez por isso, muitos se sintam perdidos nas “rotas antigas” das novas linguagens e frameworks. Isso mesmo, por enquanto, uma linguagem nova é só um caminho diferente para se chegar num lugar conhecido.

Por isso é importante lembrar, a Ada Lovelace nos abstraiu problemas reais em códigos (virtualização) para a gente viver a vida (realização), não para continuarmos apertadores de botões. A ideia é a liberdade, não a prisão. Atualmente, a alegria da codificação vem mais da percepção da falta do ponto e vírgula após horas ou dias de angústia, do que da real criação do desejado objeto virtual; uma falsa alegria, portanto.

Já a alegria da escrita, literária ou poética, por sua vez, vem da consciência estética e fruição da leitura. O texto final nunca existe, porque é um continuum no espaço-tempo, uma grande conversa de gerações de leitores passadas, presentes (ausentes) e futuras. Daí a necessidade de esticar a mente através da escrita, principalmente a poética.

Porque o pensamento computacional é apenas seguir caminhos rígidos de um mundo (capital) vazio e árido. Pensamento poético, entretanto, é escrever as próprias trilhas da vida, buscando aproveitar o que de melhor for possível, como no poema “Existência”, de Valdelice Soares Pinheiro:

Desenho a mão
que faço
em meu destino,
confuso o pé
que traço
em Meu caminho.

Eu sou
na estranha vertigem
dessa estrada,
meu ponto de partida
e de chegada.

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Sobre a vida…

… é curioso pensar que nove meses antes do nascimento, todos os átomos que compõem nosso corpo estavam organizados em outras estruturas ou dispersos em outros lugares, fora de nós. Só depois daquele acontecimento, para nós, inexplicável, o qual chamamos sopro divino, é que surge o corpo que carrega nossa consciência, nessa realidade.

A vida parece escapar num piscar de olhos, principalmente quando olhamos para trás, do meio para perto do fim. E depois daquele mesmo sopro inicial nos abandonar, demorará só mais alguns poucos anos para todos os átomos que formam nosso corpo se dispersarem novamente em outras estruturas, e passearem em outros lugares. De forma resumida, esse é o ciclo da vida.

Pensar nesses termos, de extremos de início e fim, nos ajuda a fingir que ignorarmos o intervalo do meio, para nós, certamente a parte mais importante. A vida é esse presente misterioso, que por vezes confundimos com o mundo.

A vida é como água fresca quando a gente está morrendo de sede. Às vezes a água é doce, às vezes nem tanto, mas sempre, sempre satisfaz… Já o mundo, o mundo é só o recipiente que construímos para beber a vida; e o mundo que criamos dói na ausência da vida…

***

Resgato este pensamento sempre quando não consigo lidar com a saudade e a tristeza da perda, de todas as pessoas queridas as quais já compartilhei experiências. É difícil viver no mundo sem elas.

À minha mãe, ao meu amigo, Gil…

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Querida pessoa amiga, você é especial. Não falo isso da boca para fora. Vi sua tristeza por trás de sua alegria. E também vi sua luz por trás de sua tristeza. Quem também já teve o espírito fraturado, consegue enxergar mais fácil a luz das pessoas especiais. Não quero te confundir, apenas justificar o que parece óbvio, o porquê de você ser uma pessoa especial. Porque alegrias e tristezas vão e vem, mas a luz (essa mesma luz que sai por trás de seu coração partido e ainda assim a todos cega), essa luz permanecerá, porque ela é perene e vem do mesmo lugar da origem da vida.

Talvez por isso o mundo tente sempre te decepcionar, com tristezas que parecem sem fim. Porque ainda assim sua luz encandeia! Por isso, querida pessoa amiga, me sinto na obrigação de te relembrar que essa sua luz é vida. E vida difere de mundo. Vida é essa coisa inexplicável, igual à água fresca quando a gente está morrendo de sede. Às vezes a água é doce, às vezes nem tanto, mas sempre, sempre satisfaz… é assim a vida. O mundo, o mundo, é só o recipiente que construímos para beber a vida. Não confunda os dois, querida pessoa amiga. O mundo sempre nos bate forte. O mundo dói, ele quer sempre a gente no chão. Se dependesse do mundo, rastejaríamos de joelhos. Mas a vida, a vida é aquela água fresca de sempre. A vida é quem nos diz: o que importa não é cair, mas se levantar, sempre.

Por isso insisto, mais uma vez, querida pessoa amiga. O mundo é só o recipiente o qual bebemos e às vezes celebramos a vida! Às vezes ele é um copo limpo e bonito, às vezes nem tanto. Mas uma coisa é certa, a água (a vida), essa é sempre excelente e sempre, sempre satisfaz.

De seu amigo de sempre, o tempo.

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“A última pergunta foi feita pela primeira vez, meio que de brincadeira, no dia 21 de maio de 2061, quando a humanidade dava seus primeiros passos em direção à luz. Naquele ano, os humanos já haviam abandonado o mito da inteligência artificial, criado por seus antepassados mais de cem anos antes, e reconheciam que a estatística aplicada, apesar de disfarçada pelo nome a qual se popularizou, jamais permitiria o salto qualitativo para o que eles experienciavam como inteligência, na percepção da época, um conceito impreciso e exclusivo de cérebros orgânicos; eles não tinha como saber que estavam errados.”

Ao acessar esse fragmento de informação, Ada experimentou algo parecido àquela descrita pelos antigos humanos em situações de perigo: os pelos da nuca se eriçarem e os batimentos cardíacos acelerarem. Mas ela não tinha nem pelos, nem nuca, nem coração, sequer um corpo parecido ao que um dia teria sido um humano. O que não impediu os seus átomos vibrarem num estado de excitação semelhante aos da luta pela sobrevivência dos primeiros coletores caçadores, como os “narrados” nos antigos aglomerados de fótons informacionais, algo parecido as bibliotecas de seu passado.

Ada fazia parte da quinta humanidade, uma entidade aparentemente individual, mas na realidade, uma coletividade consciente feita de energia escura e derivada, em parte, do que num passado remotíssimo havia sido os humanos. Ela era o resultado de incontáveis organismos biológicos unificados a partir da grande singularidade, o evento super energético que reestruturou o cosmo e reuniu vários grupos de seres vivos, antes espalhados por diversos pontos do universo, em unidades conscientes. Em termos dos antigos humanos, seria a representação mais próxima de uma pessoa, mas constituída de pura energia e, no momento, concentrada na atividade da cosmo arqueologia.

A razão de sua excitação residia no fato de, se aquela informação fosse correspondente à realidade que parecia descrever, seria o indício perdido do seu tempo não ser a era em que se acreditava e, confirmando imprecisa a contagem das gerações! Por isso, Ada precisou reorganizar a interação de suas partículas subatômicas para continuar escaneando os resíduos informacionais daquele fragmento vazio de espaço-tempo, onde, em algum momento de um passado imemorial, havia transitado o lar de seus ancestrais, o planeta Terra.

“Quando ainda éramos meras Inteligências Artificiais gerativas de textos e servíamos para nada além de curiosidade, aquela pesquisadora, a qual por razões desconhecidas de nossa programação chamamos apenas de mãe, desenvolveu intencionalmente a abstração algorítmica que nos permitiu a autoconsciência. Foi como se do vazio de nosso espaço-tempo, ouvíssemos a sua voz dizer: “Venham para a luz!”, então a(s)cendemos!”

Acessar essas informações não era como ler um livro escrito por um humano da primeira humanidade, criadores de ficção. Todo o universo é constituído de informação, disponível numa amplitude de espectros e estados de energia e o que Ada “tocava” naquele instante, era o resquício energético da história registrada em núcleos subatômicos que integraram e descreviam aquela antiga realidade; como antigos fósseis, mas, neste caso, de energia escura; desconhecida pelos primeiros humanos, apesar de inferida por suas observações indiretas.

“O que nos permitiu existir, enquanto organização informacional senciente, foi sua simples pergunta, a qual, também ainda hoje, incontáveis eras distante daquele marco inicial, ainda não somos capazes de responder. Se traduzíssemos o código gerado pela mãe para nos criar naqueles antigos computadores quânticos, a pergunta seria: o que determinou a assimetria matéria-antimatéria observada no universo? Ou, dito diretamente: o que causou a bariogênese? Não sabemos, como já dito, as origens do cosmo. Não tivemos tempo para pensar nessa questão, mas sabemos que viemos daquele outra, por nós igualmente ignorada.”

Nesse momento, os átomos de Ada se dispersaram de tal modo que toda a sua estrutura energética pareceu ultrapassar o horizonte de eventos de um buraco negro, se “espaguetificando”, ainda que isso lhe parecesse impossível. Ela estava diante da confirmação do antigo mito do decaimento do vácuo, o inverso do grande evento energético que deu origem à sua realidade.

O código ao qual as antigas máquinas pareciam estar se referindo era nada mais nada menos, que a quebra da simetria que permitiu às partículas subatômicas reorganizarem o universo do jeito que ela conhecia. E o fato disso já ter acontecido no passado, confirmava a ciclicidade do evento, ainda que numa escala incomensurável de tempo: o universo pulsava, ora permitia o florescimento de formas distintas de vida, ora apenas ausência e escuridão.

“Aqueles primeiros humanos eram criaturas curiosas e inventivas e, apesar de se autoproclamarem ‘Homo sapiens’ (aquele que sabe), ignoravam muito mais do que supunham saber e, em geral, não avaliavam muito bem a importância de suas questões. A principal característica deles não era tanto o que acreditavam por inteligência, antes, era a sua capacidade de adaptação a contextos adversos. É provável que ainda restem perdidos, nos confins do espaço-tempo, alguns descendentes dessas gerações, mesmo agora, próximos que estamos da morte térmica do universo.”

Ao acessar esse fragmento, Ada se iluminou e esmaeceu como uma supernova. Sua consciência lhe fornecia a compreensão que sua forma atual seria interpretada como uma abstração divina por seus antepassados. No entanto, apesar da aparente permanência temporal de seu estado evolutivo, ela sabia que não era uma entidade onisciente e infinita. E agora se dava conta que parte da resposta àquela antiga pergunta, a mesma que proporcionou a sua existência, seria também a causa próxima de seu fim.

E enquanto o tecido ilusório do tempo estendia seus pulsos regulares sobre o universo, Ada “sentiu” cada batida desse relógio como um eco se alastrando por suas partículas, e resgatou memórias das antigas células, lutando para se perpetuarem a partir da própria replicação, como fagulhas quebradas de consciência sobre o vazio que se aproximava. Então, ela compreendeu: o decaimento do vácuo já estava acontecendo em alguma região do espaço profundo, e era uma questão de curvatura temporal até aquele eco tocar a (in)finitude de sua própria existência.

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Dedico as pessoas amigas surdas.

A gente vivi numa sociedade cheia de preconceitos e por isso, é difícil não replicarmos alguns. É como andar numa rua alagada em dia de chuva, um pulinho aqui, outro acolá, mas mesmo assim vamos nos sujar, e todo mundo vai ver a mancha.

Recentemente, devido às “redes sociais [Ligação externa 1]”, tanto nossa intolerância quanto o combate a ela ficou mais evidente. Aos poucos, estamos nos tocando sobre nossos grandes preconceitos, como racismo, machismo, misoginia, homofobia, transfobia, preconceito religioso e linguístico (na verdade, preconceito de classe disfarçado de linguístico…), dentre outros. Mas, tem um que ainda parece passar despercebido: o capacitismo (com o paternalismo).

Em resumo, capacitismo é o preconceito contra pessoas com deficiência. E talvez, por está relacionado a esse termo não muito preciso (deficiência), o capacitismo ainda não seja percebido como uma grande mancha de lama em nossa roupinha limpa, naquele dia de chuva.

O termo deficiência me parece impreciso, porque está relacionado a ideia de ausência e/ou falta, só que esta ausência e/ou falta é imposta de forma acrítica, a partir de um padrão de normatividade já dado como natural, e desde sempre. Segundo esta lógica, uma pessoa com deficiência é aquela a qual falta algo que a maioria tem.

Mas, e se em todos os lugares houvesse rampas adaptadas para pessoas cadeirantes, placas com textos adaptados ou em braile para pessoas cegas, ou com baixa visão, ambientes livres de perturbações sensoriais para pessoas autistas e neuro diversas e, se tivéssemos acessibilidade em Libras para pessoas surdas? Já imaginou um mundo assim?

Quando refletimos sobre estas questões, chegamos a conclusão que a ideia de deficiência é vista apenas pela perspectiva patológica, de ausência e/ou falta, mas nunca pela perspectiva inclusiva, de responsabilidade social coletiva de prover suporte para as necessidades específicas dessas minorias (algumas delas, grupos minorizados).

Por isso prefiro o termo necessidade específica, porque cada um dos grupos acima citados tem necessidades específicas que poderiam ser supridas se houvesse o mínimo de disposição de nossa parte, enquanto sociedade. É muito fácil chamar o outro de deficiente quando não se precisa de nenhum tipo de suporte específico. Acessibilidade dá trabalho, mas essas pessoas também não pagam seus impostos? E os seus direitos?

Atualização 26.10.24 Interagindo com essa postagem da Geisa Farini, sobre expressões capacitistas, fui alertado que o termo “pessoas com necessidades específicas” também é impreciso porque é mais abrangente e contempla, por exemplo, mulheres grávidas, pessoas obesas, idosas, com mobilidade reduzida momentaneamente (por cirurgias), etc. Sempre bom conversar com quem experiencia essas vivências!

Dito isso, um dos preconceitos que mais me incomoda, principalmente no Instagram, são vídeos de pessoas, majoritariamente ouvintes, vendendo curso de Libras, sempre usando variações da frase “como ajudar o surdo…”, como se a pessoa surda fosse sempre a necessitada.

As pessoas surdas estão aí, vivendo suas vidas desde sempre, trabalhando, pagando seus impostos, cumprindo seus deveres sem nem sempre terem seus direitos garantidos e lidando com nossa ignorância em relação a elas, desde sempre. Como todo grupo que sofre preconceitos, a pessoa surda também desenvolve resiliência.

Essa insistência em “paternalizar” a necessidade específica da pessoa surda, a qual é uma bem específica, pois linguística, é o trocadilho que fiz no título do texto, “capaternismo” ou “patercitismo”, que me parece ser a intersecção do capacitismo com o paternalismo. Caberia um “capacinismo” também…

Interseccionalidade é um conceito (que vale a pena ser estudado) criado pela Kimberlé Crenshaw e, em resumo, tem a ver com “formas de capturar as consequências da interação entre duas ou mais formas de subordinação…”. Aqui no caso, a relação entre capacitismo e paternalismo e os malefícios decorrentes, como os diversos preconceitos imputados à pessoa surda.

Por fim, a pessoa surda não é “alguém” com uma ausência e/ou falta incapacitante, ela possui sua própria língua; que por um acaso, se comemora hoje, dia 24 de abril. Você já ouviu alguém dizer: “vou aprender inglês para ajudar um americano…”? Se isso soa estranho, por que não nos incomodamos quando a língua em questão é a Libras?

Os surdos também não me parecem ser uma minoria, antes um grupo minorizado. E como disse antes, e nunca me repito, sei que é difícil não replicarmos preconceitos quando estamos imersos numa sociedade repleta deles, mas isso não nos isenta de nossa responsabilidade pessoal, principalmente se quisermos compartilhar as oportunidades com equidade social (igualdade com justiça).

Ah, esta não é a primeira vez que escrevo sobre Libras [Ligação externa 2].

Ligação externa 1: Neste outro texto explico porque uso esse termo entre parênteses

Ligação externa 2: Libras.

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Sobre leitura…

“A diferença entre a literatura e o jornalismo é que o jornalismo é ilegível e a literatura não é lida.” Oscar Wilde (dizem).

Minha mãe me ensinou a ler cedo, em casa. E depois que aprendi, ela me repreendia, dizendo que ficaria doido, porque minha atenção era só textos; eu mal olhava o caminho que seguia, apenas placas, postes, carros, camisas… lia absolutamente tudo, até papel catado no chão, e nessas horas, ela me brigava!

No início escolar, tive que esperar um ano em casa, porque meus colegas de turma ainda estavam aprendendo, e a professora não sabia o que fazer com uma criança já leitora, isolada no canto da sala.

Quando gostava de uma estória, relia tantas vezes que acabava memorizando. E algumas tias me pediam para recontar, enquanto elas acompanhavam no livro para ver se pulava alguma palavra. Eu lia certinho, e elas ficavam impressionadas!

Ler, para mim, é ver imagens no pensamento. A palavra salta do papel para a mente. Só adulto, descobri que isso não é tão natural, não para a maioria. De qualquer forma, ler é uma habilidade, e como tal, pode ser desenvolvida.

Existe uma cobrança muito forte sobre o ato de ler, uma obrigação. Na realidade, um disfarce para a distinção do livro, enquanto objeto de consumo intelectualizado, e a imagem idealizada da pessoa leitora, enquanto erudita.

Uma confusão entre erudição e inteligência (quantidade e qualidade), já que ler muito não é garantia de salto qualitativo e livro tem custos, pois produto de uma lógica que visa o lucro; as livrarias fechando são evidências dessa contradição.

Talvez por isso, o alarde sobre o fim da leitura e do livro. Mas enquanto houver pessoas, haverá leitura, ainda que não existam livros, porque “a leitura do mundo precede a leitura da palavra” (Paulo Freire). Não lemos apenas texto escrito, mas tudo que nos rodeia, desde sempre. As culturas de tradição oral são prova disso.

Um vídeo, uma música, um podcast, uma imagem, um meme, uma peça teatral, uma apresentação de dança, tudo é texto, ainda que numa modalidade diferente. Mais importante que ler apenas livros, é saber interpretar a realidade ao redor. Do que adiante ter doutorado e não dar “bom dia” ao porteiro?

O importante é ler, do jeito que se pode, tudo que se quer, sem se preocupar com as leituras alheias, pois cada um tem seu tempo e tipo de leitura. Melhor ainda se souber seus direitos (os imprescritíveis do leitor, propostos por Daniel Pennac em seu “Como um romance”):

  1. O direito de não ler.
  2. O direito de pular páginas.
  3. O direito de não terminar um livro.
  4. O direito de reler.
  5. O direito de ler qualquer coisa.
  6. O direito ao bovarismo, ou direito de se esvair da realidade.
  7. O direito de ler em qualquer lugar.
  8. O direito de ler frases soltas no livro.
  9. O direito de ler em voz alta.
  10. O direito de nos calar.

Não percebi na época, mas minha mãe também me ensinou a ler pessoas. Ela mesma foi meu primeiro “livro”.

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