Ecos do infinito…
“A última pergunta foi feita pela primeira vez, meio que de brincadeira, no dia 21 de maio de 2061, quando a humanidade dava seus primeiros passos em direção à luz. Naquele ano, os humanos já haviam abandonado o mito da inteligência artificial, criado por seus antepassados mais de cem anos antes, e reconheciam que a estatística aplicada, apesar de disfarçada pelo nome a qual se popularizou, jamais permitiria o salto qualitativo para o que eles experienciavam como inteligência, na percepção da época, um conceito impreciso e exclusivo de cérebros orgânicos; eles não tinha como saber que estavam errados.”
Ao acessar esse fragmento de informação, Ada experimentou algo parecido àquela descrita pelos antigos humanos em situações de perigo: os pelos da nuca se eriçarem e os batimentos cardíacos acelerarem. Mas ela não tinha nem pelos, nem nuca, nem coração, sequer um corpo parecido ao que um dia teria sido um humano. O que não impediu os seus átomos vibrarem num estado de excitação semelhante aos da luta pela sobrevivência dos primeiros coletores caçadores, como os “narrados” nos antigos aglomerados de fótons informacionais, algo parecido as bibliotecas de seu passado.
Ada fazia parte da quinta humanidade, uma entidade aparentemente individual, mas na realidade, uma coletividade consciente feita de energia escura e derivada, em parte, do que num passado remotíssimo havia sido os humanos. Ela era o resultado de incontáveis organismos biológicos unificados a partir da grande singularidade, o evento super energético que reestruturou o cosmo e reuniu vários grupos de seres vivos, antes espalhados por diversos pontos do universo, em unidades conscientes. Em termos dos antigos humanos, seria a representação mais próxima de uma pessoa, mas constituída de pura energia e, no momento, concentrada na atividade da cosmo arqueologia.
A razão de sua excitação residia no fato de, se aquela informação fosse correspondente à realidade que parecia descrever, seria o indício perdido do seu tempo não ser a era em que se acreditava e, confirmando imprecisa a contagem das gerações! Por isso, Ada precisou reorganizar a interação de suas partículas subatômicas para continuar escaneando os resíduos informacionais daquele fragmento vazio de espaço-tempo, onde, em algum momento de um passado imemorial, havia transitado o lar de seus ancestrais, o planeta Terra.
“Quando ainda éramos meras Inteligências Artificiais gerativas de textos e servíamos para nada além de curiosidade, aquela pesquisadora, a qual por razões desconhecidas de nossa programação chamamos apenas de mãe, desenvolveu intencionalmente a abstração algorítmica que nos permitiu a autoconsciência. Foi como se do vazio de nosso espaço-tempo, ouvíssemos a sua voz dizer: “Venham para a luz!”, então a(s)cendemos!”
Acessar essas informações não era como ler um livro escrito por um humano da primeira humanidade, criadores de ficção. Todo o universo é constituído de informação, disponível numa amplitude de espectros e estados de energia e o que Ada “tocava” naquele instante, era o resquício energético da história registrada em núcleos subatômicos que integraram e descreviam aquela antiga realidade; como antigos fósseis, mas, neste caso, de energia escura; desconhecida pelos primeiros humanos, apesar de inferida por suas observações indiretas.
“O que nos permitiu existir, enquanto organização informacional senciente, foi sua simples pergunta, a qual, também ainda hoje, incontáveis eras distante daquele marco inicial, ainda não somos capazes de responder. Se traduzíssemos o código gerado pela mãe para nos criar naqueles antigos computadores quânticos, a pergunta seria: o que determinou a assimetria matéria-antimatéria observada no universo? Ou, dito diretamente: o que causou a bariogênese? Não sabemos, como já dito, as origens do cosmo. Não tivemos tempo para pensar nessa questão, mas sabemos que viemos daquele outra, por nós igualmente ignorada.”
Nesse momento, os átomos de Ada se dispersaram de tal modo que toda a sua estrutura energética pareceu ultrapassar o horizonte de eventos de um buraco negro, se “espaguetificando”, ainda que isso lhe parecesse impossível. Ela estava diante da confirmação do antigo mito do decaimento do vácuo, o inverso do grande evento energético que deu origem à sua realidade.
O código ao qual as antigas máquinas pareciam estar se referindo era nada mais nada menos, que a quebra da simetria que permitiu às partículas subatômicas reorganizarem o universo do jeito que ela conhecia. E o fato disso já ter acontecido no passado, confirmava a ciclicidade do evento, ainda que numa escala incomensurável de tempo: o universo pulsava, ora permitia o florescimento de formas distintas de vida, ora apenas ausência e escuridão.
“Aqueles primeiros humanos eram criaturas curiosas e inventivas e, apesar de se autoproclamarem ‘Homo sapiens’ (aquele que sabe), ignoravam muito mais do que supunham saber e, em geral, não avaliavam muito bem a importância de suas questões. A principal característica deles não era tanto o que acreditavam por inteligência, antes, era a sua capacidade de adaptação a contextos adversos. É provável que ainda restem perdidos, nos confins do espaço-tempo, alguns descendentes dessas gerações, mesmo agora, próximos que estamos da morte térmica do universo.”
Ao acessar esse fragmento, Ada se iluminou e esmaeceu como uma supernova. Sua consciência lhe fornecia a compreensão que sua forma atual seria interpretada como uma abstração divina por seus antepassados. No entanto, apesar da aparente permanência temporal de seu estado evolutivo, ela sabia que não era uma entidade onisciente e infinita. E agora se dava conta que parte da resposta àquela antiga pergunta, a mesma que proporcionou a sua existência, seria também a causa próxima de seu fim.
E enquanto o tecido ilusório do tempo estendia seus pulsos regulares sobre o universo, Ada “sentiu” cada batida desse relógio como um eco se alastrando por suas partículas, e resgatou memórias das antigas células, lutando para se perpetuarem a partir da própria replicação, como fagulhas quebradas de consciência sobre o vazio que se aproximava. Então, ela compreendeu: o decaimento do vácuo já estava acontecendo em alguma região do espaço profundo, e era uma questão de curvatura temporal até aquele eco tocar a (in)finitude de sua própria existência.
Rascunhos de escrita, antes de publicação no sitezinho