Sobre o pensamento computacional e o poético…
“A pintura é poesia muda; a poesia, pintura cega.” Leonardo da Vinci.
Por que quem escreve códigos (pessoas programadoras) também deveriam escrever poemas?
Resposta curta.
Porque, em certa medida e em relação à criatividade, os primeiros nos limitam, enquanto os segundos nos estimulam.
Resposta longa.
Códigos são conjuntos reduzidos de instruções que damos aos processadores. Poemas são materializações atemporais e n-dimensionais da poesia no texto escrito ou oral. Lembrando, poesia é aquele sussurro rítmico que nos sopra o espírito e se manifesta através das artes (plásticas, cênicas, literárias, musicais…). Os primeiros são construções humanas, a segunda (dizem), revelação divina.
Poemas, então, são bloquinhos leves de textos escritos (e declamados), semanticamente saturados de imagens poéticas voláteis, como fótons borboletas voando despreocupadas próximos a discos de acreção das singularidades cósmicas; por isso, no poema, também são possíveis divisões por zeros.
Assim como a gravidade é o efeito da distorção de corpos massivos no tecido espaço-tempo, o discurso poético é o efeito de sentidos nos espíritos dotados de linguagem.
Um poema relido jamais replica os mesmos efeitos da primeira leitura, nunca! O poema é o mesmo, enquanto materialidade textual, a leitura não. As variáveis tempo e subjetividades se transpassam em sentimentos diversos, como partículas colidindo em aceleradores, decaindo em outras sensações, novas e fundamentais.
E da mesma forma que as partículas ganham massa nas interações com o campo de Higgs, cada (re)leitura de um mesmo poema fornece imagens (e altera o estado de consciência) na realidade de quem o lê (se assim o permitir, claro).
Em contraste, o código de computador, apesar das refatorações (diversas possibilidades de arranjos de suas variáveis), ainda assim, sempre dará um mesmo e esperado resultado. A constante faz parte de sua natureza, enquanto objeto virtual e rascunho de simulacro da realidade que tenta representar.
O processador binário, apesar de incrivelmente rápido, não possui aquele “sussurro inspirador”, nem se expande como uma mente antes de inalar (e às vezes, quase se afogar) o momento da criação (incluindo a literária). O processador trava em seus processamentos e a IA (inteligência artificial) até alucina. Mas apenas um cérebro orgânico se contrai e se dilata a cada sentimento, o pulso do amor razão (aquela ilusão vinda do coração).
Neste sentido, até as alucinações da IA orgânica (indivíduo atormentado) servem de matéria-prima para a escrita, literária e poética. Podemos escrever poemas com códigos (e vice-versa) e podemos ensinar a IA gerativa a copiar nosso jeito de escrever códigos com poemas (e vice-versa), mas apenas o jeito… porque programar também pode ser uma atividade artística, mas a atividade artística… entendeu né?
Falando em servir, a arte não serve para nada, nem ninguém, nesse sentido capitalista de serviço. Relembrando Ferreira Gullar, “A arte existe porque a vida não basta”, fazemos arte (e poesia) para viver outras vidas. É quase impossível aprender todas as linguagens de programação, mas muito fácil experienciar todas as estórias d'As mil e uma noites…
A linguagem de máquina é isso, uma redução simplória do pensamento humano. Talvez daí a dificuldade de muitos em programar. Como encaixar algo como criatividade em casquinhas de amendoins do tamanho de bits? Se for seu caso, não se sinta menos inteligente por isso; inteligência é qualidade (habilidade que se desenvolve), não quantidade.
Ser bom em qualquer atividade tem a ver com esse esforço consciente de desenvolvimento. O “saber de cor”, do latim/francês, “savoir par coeur”, é uma expressão do tempo em que se acreditava que este órgão comandava a razão, e com sentido de saber automático. Talvez por isso, muitos se sintam perdidos nas “rotas antigas” das novas linguagens e frameworks. Isso mesmo, por enquanto, uma linguagem nova é só um caminho diferente para se chegar num lugar conhecido.
Por isso é importante lembrar, a Ada Lovelace nos abstraiu problemas reais em códigos (virtualização) para a gente viver a vida (realização), não para continuarmos apertadores de botões. A ideia é a liberdade, não a prisão. Atualmente, a alegria da codificação vem mais da percepção da falta do ponto e vírgula após horas ou dias de angústia, do que da real criação do desejado objeto virtual; uma falsa alegria, portanto.
Já a alegria da escrita, literária ou poética, por sua vez, vem da consciência estética e fruição da leitura. O texto final nunca existe, porque é um continuum no espaço-tempo, uma grande conversa de gerações de leitores passadas, presentes (ausentes) e futuras. Daí a necessidade de esticar a mente através da escrita, principalmente a poética.
Porque o pensamento computacional é apenas seguir caminhos rígidos de um mundo (capital) vazio e árido. Pensamento poético, entretanto, é escrever as próprias trilhas da vida, buscando aproveitar o que de melhor for possível, como no poema “Existência”, de Valdelice Soares Pinheiro:
Desenho a mão
que faço
em meu destino,
confuso o pé
que traço
em Meu caminho.
Eu sou
na estranha vertigem
dessa estrada,
meu ponto de partida
e de chegada.
Rascunhos de escrita, antes de publicação no sitezinho