Fotografia

Da série: Memórias Invisíveis

set 2024

Uma fotografia. O coração dispara e no rosto, um sorriso em esboço. Enquanto a minh’alma baila, no embalo da canção que é a tua efígie.

Quem é ela? Aquela cujo olhar faz minh'alma brilhar, cujos lábios recitam poesias mesmo em silêncio. Ela é, pois, a presença que habita meus sonhos e traz consigo a brisa do desejo.

É noite, e mais uma vez me perco entre estas marés. Embriago-me na imensidão deste oceano castanho, nas joias enigmáticas que são teus olhos. E nesta imersão de sensações, desejos e memórias, relembro mais uma vez os momentos em que me agraciastes com tua presença.

A primeira vez que a vi, estava de mãos dadas com outra pessoa. Não dei muita importância e, na verdade, quase não a notei. Anos depois, lembrei-me, quando outra vez mais, a vi. Não tu em carne e osso, mas na tua etérea presença, através de uma fotografia. Não uma fotografia tua no sentido de capturar tua imagem, mas uma fotografia da qual foste a fotógrafa. Um ramo com várias flores carmesins, em contraste com a luz do sol. Esta imagem, quem me mostrou foi aquele alguém com quem estiveste de mãos dadas muitos anos atrás, quando a vi pela primeira vez. E através de tal fotografia, por ti, me apaixonei.

Levaram-se alguns anos até que eu conseguisse falar contigo, à distância, nas possibilidades de encontros que a grande rede nos oferece. Tudo começou com algumas “curtidas”, depois alguns comentários e, por fim, as conversas. Não lembro ao certo quando ou quem iniciou, mas, após centenas de mensagens trocadas, a vida — ou talvez o próprio destino — decidiu que deveríamos nos encontrar.

Nos encontramos em uma das estações da Avenida Anhanguera, no cruzamento com a Avenida Goiás, onde anos atrás havia uma praça, a Praça dos Bandeirantes. Lembro-me de caminhar ao lado da minha mãe, sob as copas das árvores que adornavam aquele lugar. Agora, restam apenas uma estátua que homenageia um momento da trágica história de nosso povo e a lembrança do nosso primeiro encontro.

Da calçada, a observei enquanto desembarcava na estação. Hoje, pensar nas palavras que possam descrever o que senti ao vê-la ali, a poucos metros de mim, é um árduo exercício.

Tu surgiste, como a imagem de um anjo — ou da concepção que podemos ter sobre um anjo — com teus cabelos bailando ao ritmo das brisas criadas pelos veículos que passavam. Teu sorriso, como uma pintura de Michelangelo, te envolvia em uma aura de divina serenidade e beleza. Tu acenavas à medida que, lentamente, te aproximavas. Teu “oi” foi como uma tempestade de gafanhotos que fervilhava em minhas entranhas. E naquele instante, eu te amei.

Fomos até um café anexo a uma livraria. Lembro-me de que tu escolheste um livro com poesias goianas, as quais dizias serem tuas favoritas, e desde então, as poesias do Planalto Central tornaram-se as minhas lembranças favoritas de ti. Pedimos algo para beber e conversamos; perguntei sobre ti, teus sonhos, teus interesses, desejos e temores. E tu me perguntaste sobre os meus.

As conversas na rede continuaram, e me lembro que um dia te chamei para ir comigo à capital buscar algo — acho que um presente, não me lembro ao certo. Tu foste de bom grado e, no caminho, dentro do ônibus, observando teus gestos ao falar, teu sorriso e o brilho no teu olhar, tive a certeza de que te amar era a mais sensata das escolhas. De lá, por um acaso intencional de ambas as partes, fomos para casa. Ficamos a tarde conversando, deitados um ao lado do outro, ouvindo Sinatra. Compondo uma canção para ti, no fim da tarde, quando o sol lentamente se ocultava entre as curvas da Serra das Areias, tu me perguntaste: “Sabe por que eu não te beijo?” Respondi negativamente, balançando a cabeça. Tu desviaste o olhar e, timidamente, me falaste teus motivos. Em resposta, eu apenas disse: “Se é o que tu desejas, faze.” Era 20 de outubro de 2018, um sábado. Nossos lábios se encontraram e, por breves instantes, nos fizemos um só.

Meu ser se tornou etéreo, fundindo-se a uma existência maior que o próprio universo: estrelas, supernovas e constelações, o farfalhar das folhas, o dançar das ondas do mar, os ventos cósmicos, as tempestades solares, a escuridão do vasto infinito. Fui e senti o todo e o nada. Naqueles instantes, tu, com tua fagulha divina, me fizeste sentir o sagrado e então descobri que deuses existiam, e tu eras a minha deusa.

Após o beijo, os encontros tornaram-se frequentes, e as trocas, intensas, como se o tempo se dissolvesse em cada toque. Teus lábios me devoravam com uma paixão voraz, enquanto tuas unhas me rasgavam suavemente. Os suspiros e gemidos se entrelaçavam no ar, e o calor do nosso corpo se fundia em um só, criando uma sinfonia de sensações. Teus braços me envolviam como um abrigo seguro, e tua presença aquecia minh'alma, como um sol radiante em um dia de inverno.

Teus olhares, profundos e penetrantes, vasculhavam os recônditos do meu ser, desnudando segredos que eu mal sabia que existiam. As cordas de sisal, os nós e as tranças entrelaçavam nosso prazer quase indissolúvel.

Recordo-me das vezes em que te visitei na faculdade, das caminhadas por entre os bosques, das pinturas que fiz em tua pele, e o anel que trancei com fibras de um cipó. Tu eras genuína, uma essência pura e vibrante; tu eras sincera; tu eras entrega e promessa. Mas, ao mesmo tempo, eras também angústia e medo, como sombras que dançavam à luz da nossa paixão.

Nossa paixão foi tão breve quanto as flores da primavera, cujas cores saturam-se lentamente ao iniciar do verão.

Um dia, tu me perguntaste por que ainda não nos havíamos juntado um ao outro – em carne e fluídos. Fiquei em silêncio, estagnando diante tua pergunta. Tu me confessaste que não querias que nos reduzíssemos a isso, que fôssemos mais do que carne, suor e gemidos. Era 23 de novembro de 2018 e, até hoje, não consigo entender completamente os motivos que te levaram a essa conversa. Apenas sei que, após dois dias de silêncio, tu escreveste o parágrafo final da nossa história.

Semanas depois, nos encontramos e conversamos. Como amigos, caminhamos juntos pelo bosque, sob a tênue luz do sol da manhã. Passamos aquele dia quase em total silêncio, imersos em uma cumplicidade que falava mais do que palavras poderiam expressar.

Era fim de tarde quando você, junto ao sol, desapareceu no horizonte. O crepúsculo de um sonho. Partiu. Sem nenhuma palavra. E após este fatídico dia tudo mais se fez silêncio.

Carrego comigo as lembranças de ti, do romance, da amizade e do companheirismo que perduraram, mesmo diante das tempestades. Também guardo as fotografias, e entre elas, há uma que é especialmente significativa.

Uma fotografia. O coração dispara e no rosto, um sorriso em esboço. Enquanto a minh’alma baila, no embalo da canção que é a tua efígie.

— Sobre Ynaê

Alguns poemas que surgiram deste romance

Fada

Pássaros de todas as cores cantam no bosque. 
É um belo dia.
Animais de olhos brilhantes dançam no bosque. 
É um dia maravilhoso.
Os espíritos da floresta se juntam para celebrar. 
É o dia da rainha. 

Fada! A mais bela das criaturas. 
Fada! A rainha gosta da cor azul. 
Fada! A mais maravilhosa dentre todas. 
Fada! Saúdem a rainha do bosque. 

Sua magia preenche todo o vazio da solidão. 
Sua presença emana amor, carinho e alegria. 
Ela é a Fada Rainha, a mais bela dentre os seres. 

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Efígie

Uma fotografia. O coração dispara e no rosto, um sorriso em esboço. Enquanto a minh’alma baila, no embalo da canção que é a tua efígie.

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Solstício
Tão bela
Neste fim de primavera
Baila entre as flores
Uma Fada Azul

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Meu coração palpita, a alma suspira e no rosto um sorriso em esboço.

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E se por acaso perguntarem
Porque vivo a sorrir
A resposta é muito simples
Guardo sempre comigo
As lembranças de ti

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Quem é ela?
Esta mulher cujo olhar
Faz minha alma bailar

Quem é ela?
Esta cujos lábios 
Recitam poesia mesmo em silêncio

Quem é ela?
Dama da pele alva
Cujos traços remetem ao desejos

Que é ela?
Cuja existência é sacra

Ela é pois,
Aquela que habita os sonhos
Que traz consigo a brisa do desejo

Aquela que,
Com teu sorriso memorável
E teus gestos singelos
Inspiram estes e tantos outros versos

Ela é menina e mulher
Ela é mulher e deusa

Ela amor e paixão
Proibição e desejo

Ela é 

Assim, 
Fada Azul
Deusa Fada

Encanto sem fim

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É noite
E outra vez me perco
Entre estas marés

Me embriago
Na imensidão
Na brisa suave deste mar castanho

Estas joias enigmáticas
Este olhar que tanto amo

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Perdidamente
Mergulho
No mar profundo de
Teus Olhos castanhos

Me afogo no doce sonho
Do toque aveludado de teus lábios

Em pensamentos
Exploro os caminhos traçados
Que mapeiam tua pele clara

E no vislumbro do teu olhar
Diante tua imagem

Eu, acólito da luxúria e 
da beleza

Te faço Deusa

E lhe entrego estes versos
Em devoção
A tua divina realeza

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Acalento
A alma leve
baila por sobre as águas
Levando ao plangor
a soberba das naides

A pela alva
sacramentada pela arte
em traços profanos
Envolve em sonhos
Os desejos deste poeta

Teus lábios,
doces
Confessam em silêncio
segredos e mistérios
revelados somente 
a si mesma
a teu espírito imaculado

Tua presença
como hidromel
embriagam meus olhos mortais
E me levam aos ceús

É ela, a ninfa
A deusa e a próprio beleza

É dela o brilho, as estrelas, a lua e o sol

Tu sorri
E o mundo se esvaece
só restando a paz

És tu a bela dos versos
aquela a quem toda poesia pertence

És tu espírito de amor

Amante nas lembranças
Deusa e amiga 

És tu
Fada azul 

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Mergulho
E tu drenas o rio

Voo 
E tu corta minhas asas

Floresço
E tu me arranca pela raiz
Antes mesmo
Do botão se abrir

Canto
E tu tapas os ouvidos

Escrevo poemas 
E tu fechas os olhos

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Amo a tua alva e maculada pele. A tinta preta sob a tela branca me estremece a alma e me faz bailar o coração. Olho e venero com desejo cada território deste mapa. Em pensamentos refaço cada traço com meus beijos. A cada figura, pinto uma aquarela com carinho e amor. Meus olhos fecham e na escuridão desenho tuas curvas e toco a maciez de teu veludo. Faço de ti deusa e dona de mim. Abro os olhos e sou arrebatado pela realidade. As curvas se desfazem como névoa. As aquarelas se descolorem e teus desenhos desaparecem. Me resta então apenas a lembrança e aquele retrato cuja imagem,  em minha alma guardei.

— Por Eruantano Alcarcalimo, Um Espírito Distorcido