Despedida

Da série “Memórias Invisíveis”

Mar 2017

Meu corpo vibrou quando meus olhos se perderam nos teus. Em meio à multidão, foram os teus olhares que me encantaram, teus lábios, um feitiço que me aprisionou. Era a festa de São João, e, como um verso de uma cantiga antiga, a fogueira acendeu-se em meu coração.

Semanas se escoaram como o tempo em um sonho, até que um convite teu chegou e, entre noites de palavras sussurradas e segredos compartilhados, meu coração se rendeu à paixão.

Não foi surpresa, então, quando percebi que a paixão se transformava em algo mais profundo. O amor, como um visitante já esperado, bateu à porta, e sem hesitar, convidei-o a entrar.

Como poderia ser diferente? Como podias imaginar que eu não te amaria? Como poderia resistir a esses olhos castanhos, a essa pele dourada, ao sorriso que se formava em teus lábios? Teus gestos, tua voz, teus segredos, esperanças, medos e anseios, tudo em ti me envolvia como um manto de ternura. Como esperar que eu não te amasse após o brilho do teu sorriso? Muitas perguntas ecoam em minha mente, mas as respostas são poucas e distantes.

Hoje, você me diz para partir, para esquecer.

Como pode querer que eu apague da memória o instante em que escolhemos o nome de nossa filha? Como esquecer que, naquele momento, prometi que faria da minha vida a sua vida, que nunca te abandonaria, que te amaria enquanto houvesse um sopro de vida em meu ser? Como esquecer as noites em que discutimos os detalhes de como criaríamos nossa pequena? Como esquecer o dia em que a notícia da partida daquela criança tão esperada me despedaçou? Como esquecer as vezes em que você me disse que me amava, que estaria sempre ao meu lado? Como esquecer os momentos em que choramos juntos, os beijos de esquimó, os planos e promessas que trocamos? Como esquecer as canções que trocamos ao telefone, a emoção que nos envolveu quando te pedi em casamento? Como esquecer a alegria que transbordou quando você disse “sim”? Como esquecer o momento em que me entregou o anel e sussurrou “sempre serei a Coelhinha”? Como esquecer o cordão com a gota de vidro azul que me deste no meu aniversário? Como esquecer o coelho de pelúcia que se tornou símbolo de nosso amor? Como esquecer os poemas, as flores, as brigas que nos fortaleceram, as reconciliações que nos uniram, a amizade que nos sustentou, o carinho que nos envolveu, o amor que nos definiu? Como posso esquecer a Coelhinha, essa garota delicada, atenciosa, carinhosa, forte, inteligente, talentosa, cheia de sonhos e esperanças? Como, após tudo isso, você me pede para esquecer? Como posso seguir minha vida, se fiz dela a tua?

Meu corpo vibrou quando meus olhos encontraram os teus, e agora, neles, vejo apenas ódio e desprezo.

Minha alma se estilhaçou quando teus lábios se calaram, deixando um eco de dor em meu coração.

E assim, parti.

— sobre Estter

***

Post Scriptum (7 anos depois): Não te esqueci, como me pediste. Te trago aqui, comigo, na memória e na alma. Hoje, percebo que posso, sim, viver sem ti, e assim, vivo. Mas levo sempre comigo as lembranças de teus beijos e teu sorriso, teu gracejo e teu encanto. Sigo em paz, e vivo feliz. Contente, sabendo que também és feliz.

— Por Eruantano Alcarcalimo, Um Espírito Distorcido