Sobre Putas, Moralismos e Seus Infortúnios
(adicionada nota de observação)
Dias desses, conheci uma mulher que se apresentou como Puta. Digo “Puta” porque foi assim que ela pediu para ser chamada, com “P” maiúsculo mesmo. Ela afirmou que, naquele bar, não havia espaço para seu outro eu. O nome dela era Ágata, embora não fosse o verdadeiro. Passamos a noite tomando cerveja e conversando. Escrevi um poema para ela, e ela me mostrou alguns dos seus.
No fim da madrugada, enquanto o sol surgia a leste, tingindo o céu em nuances de lilás e dourado, trocamos números de telefone com o objetivo de nos conhecermos além das máscaras que nós, boêmios, poetas e vagabundos, costumamos usar ao se apresentar à “civilização”. Ao chegar em casa escrevi alguns versos inspirados na beleza cativante da forma e da alma daquela Puta. Quando percebi, dias depois, tinha um conto com uma estética muito parecida com a de “Lucíola”, de José de Alencar. Mas sem a soberba de Alencar e de obras como “A Dama das Camélias”, de Dumas Filho, em que a cortesã, ou melhor, a Puta, é sempre vista como indigna do amor, cuja única redenção possível é a morte.
Entretanto, o texto ia avançando à medida que eu e Ágata mantivemos contato, e a narrativa inevitavelmente se aproximou desse tema que eu queria evitar. Ela adoeceu, muito, e eu, apaixonado, me dispus a ajudar. Foi então que comecei a me perguntar até que ponto as narrativas de José de Alencar e de Dumas seguem o caminho que reflete o pensamento puritano e machista da época, e em que ponto, de fato, tal sina de dor e sofrimento, de rejeição e esquecimento, é comum à vida dessas mulheres.
A Puta que conheci estava com problemas respiratórios devido às madrugadas sem fim ao relento, assim como Lucíola e Marguerite. É triste ver que velhos preconceitos moldam a realidade de tal modo que tornam tais destinos os quase únicos viáveis para essas mulheres. A crença distorcida de que não merecem ser amadas (e me refiro a todo tipo de amor, não apenas ao amor romântico), cuidadas, que elas não são mulheres, “apenas Putas”, como Ágata bem quis enfatizar, faz dessa distorção uma verdade absoluta e universal. É como se, independente de seus esforços um poder sobrenatural as puxasse para essa existência de infortúnios. Mas não há nada de sobrenatural nesse poder. É um poder real, estrutural.
Ao mesmo tempo em que faço tal reflexão, caio na armadilha de que talvez eu pudesse ajudar. O mito patriarcal do “homem redentor”. É incrível como certas coisas se entrelaçam em nós. Apesar do senso crítico e da autocrítica, ainda imagino ela largando essa vida e arrumando outro emprego. Mas imagino isso por uma questão moralista ou por perceber a realidade indignante que essas mulheres vivem?
**Nota:** Já conheci e me relacionei com pessoas que eram acompanhantes e que faziam isso não por uma questão existencial, falta de oportunidades, família desajustada ou qualquer outro motivo complexo. Elas o faziam assim como alguém escolhe ser advogada, médica ou padeira. Eram pessoas felizes, saudáveis biopsicossocialmente, etc. Portanto, faço a ressalva de que o texto acima diz respeito àquelas pessoas (independente de gênero, identidade ou sexualidade) que permanecem nessas circunstâncias por fatores externos à sua vontade.
— Por Creme de Uva e seus outros alter egos
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