CNT por uma Economia Coletivista e Projetos Autogestionados


nota do tradutor Este texto é uma tradução dos acordos sobre ação sindical do XI Congresso Confederal da Confederação Nacional do Trabalho (CNT) da Espanha. O congresso ocorreu em 2015 e dentre seus acordos estabelecidos, a CNT firma sua perspectiva de economia coletivista e autogestão na secção 2.4 Ainda que o foco do Projeto Sabedoria do Povo seja o sindicalismo revolucionário, creio que este posicionamento dos anarco-sindicalistas tem muito a contribuir com a perspectiva emancipatória no Brasil.


Economia coletivista e projetos autogestionados

Criação de iniciativas autogerenciadas de produção e consumo pertencentes a sindicatos.

Em termos de produção

Partindo da análise de projetos autônomos ou cooperativas de produção, há uma comparação que pode ilustrar seu entendimento: um trabalhador assalariado tem de atender às condições impostas pelo patrão; ao trabalhar como autônomo, você não é livre, pois as condições são impostas pelo mercado e pelo Estado (seguridade social, leis relacionadas ao setor, tributação, aposentadoria, cotas de produção forçada, subsídios sob certas condições etc.).

O mesmo se aplica a uma cooperativa de produção: por dentro, ela pode ser muito horizontal, mas por fora está sujeita às condições do mercado e, portanto, ao capital. Como resultado, pode ser gerada uma subclasse empresarial ou uma autoexploração voluntária.

Para dar a esse tipo de projeto de produção um potencial emancipatório de acordo com nossos princípios, táticas e objetivos, é necessário fechar o ciclo de produção-consumo sem que o mercado seja o instrumento de troca (o que Isaac Puente, no conceito confederal do comunismo libertário, chama de meio ou sinal de troca). Isso implica que os projetos produtivos partem dos próprios sindicatos e não de fora, e que eles têm um caráter coletivista, não cooperativo.

O conceito de cooperativismo é uma transformação ou denegação do conceito de coletivismo, como a ideia original do socialismo humanista, conforme expresso e concretizado nos princípios fundadores da Primeira Internacional, cujos princípios a C.N.T. e o anarquismo em geral são herdeiros. A terminologia cooperativa de produção e consumo usada na maioria dos acordos dos sindicatos que os apoiaram, então, apresenta nuances de operação e propósitos que nos permitem identificá-los com o conteúdo coletivista do movimento anarco-sindicalista. Por isso, o termo COLETIVIDADE DE PRODUÇÃO E CONSUMO foi adotado como definição para todos os casos. Portanto, rejeitamos o cooperativismo como um fim em si mesmo, cuja dinâmica leva à integração na sociedade capitalista por meio da criação de novos empreendedores ou da autoexploração voluntária em benefício do mercado e do Estado.

As coletividades de produção e consumo que podem ser criadas hoje não devem ser consideradas como um meio direto e absoluto de alcançar a emancipação dos trabalhadores. Elas podem servir como um meio indireto de aliviar nossos problemas de compra e, por outro lado, colocar em prática realizações em que a capacidade de auto-organização dos trabalhadores seja demonstrada, eliminando intermediários, armazenistas, especuladores etc.

Esses coletivos de produção e consumo não são projetos de trabalho autônomo nem cooperativas, mas o trabalho é realizado pela participação voluntária dos membros do coletivo.

Os coletivos de produção e consumo, conforme atualizado em congressos anteriores, estão divididos em duas seções:

A base para a organização das Coletividades é baseada na opinião majoritária dos sindicatos, que concordam, em princípio, com sua implementação na agricultura como a possibilidade mais viável no momento. Esse sistema de organização, objetivos, etc., é adaptável a qualquer tipo de Coletivo de Produção e Consumo que possa ser criado no futuro dentro da sociedade.

Na ausência de um estudo exaustivo da história e das características técnicas do movimento cooperativo, é necessária uma orientação geral para o funcionamento dessas Coletividades de Produção e Consumo.

Diante da estrutura econômica capitalista, os anarco-sindicalistas promovem as Coletividades de Produção e Consumo, embora não como um meio absoluto para alcançar a emancipação dos trabalhadores. Considerando que seu funcionamento se baseará em não ser confundido em nenhum momento com o sistema de cooperativas oficiais que tendem a reproduzir o conceito do pequeno empresário.

A estrutura geral será a seguinte:

A CNT não pode, com a força atual da organização, assumir tudo, e deve ter clareza sobre em que apostar e como apostar. Pensamos que é viável começar pela esfera agrária, sem prejuízo de outros setores, pelo exposto e porque requer uma menor correlação de forças para ter acesso aos meios de produção.

Os projetos criados pelos sindicatos devem servir para integrar a luta anarco-sindical por meio da vivência de experiências que fortaleçam ainda mais a ideia da necessidade da revolução, da propaganda pelo fato de servir de apoio à luta anarco-sindical (suprindo necessidades em casos de crise econômica, auxílio a represálias, apoio a greves...).

Em termos de consumo

Em face da comercialização capitalista, devemos lutar pela eliminação imediata de intermediários e intermediárias. Promover canais de comercialização alternativos aos capitalistas. Tentar fazer o máximo uso da estrutura sindical para essa distribuição. Logicamente, isso deve ser acompanhado por uma rede de coletivos ou cooperativas de consumidores coletivizados que fornecerão esses produtos e lhes darão uma saída, dando assim um exemplo de organização como consumidores (V Congresso, ponto 8.7.3b).

O modelo de cooperativa de consumidores é conhecido como GAKs (grupos autônomos de consumo). Em projetos cooperativos que se baseiam exclusivamente no consumo, o pequeno (ou não tão pequeno) empresário é promovido como um empresário mais ecológico, mais equitativo e mais justo, mas, ainda assim, um empresário. O conceito GAK também pode ser entendido parcialmente como uma adaptação ou contextualização do rótulo de sindicato. Acreditamos que a criação de GAKS nos sindicatos seria um passo à frente na prática, mas somente no sentido de que a produção e o consumo são dois lados da mesma moeda e, portanto, é necessário influenciar ambos.

No entanto, estamos bastante relutantes porque, dada a evolução real dos grupos de consumidores nas áreas onde eles mais se desenvolveram (Madri, Catalunha, Andaluzia etc.), vemos um retrocesso na clareza e no entendimento da questão cooperativa vs. coletivismo em relação ao 5º congresso.

Entendemos que os GAKs nunca deveriam ser um objetivo da CNT, mas uma tática na situação atual, já que não podemos fornecer e coordenar a produção e o consumo por meio das federações de ramos. Para responder aos nossos princípios, táticas e objetivos, essa ferramenta deve ser direcionada novamente para o coletivismo, superando a troca por meio do mercado, buscando reduzir o dinheiro ao mínimo em favor de acordos baseados em uma satisfação planejada e participativa das necessidades.

Os GAKs poderiam, portanto, ser adaptados aos princípios, táticas e objetivos da CNT. É claro que não apenas o nome, que poderia ser Grupos Confederados de Consumidores, mas também a definição de seu objetivo e funcionamento. Da mesma forma que os projetos de produção precisam fechar o ciclo em direção ao consumo, os projetos de consumo precisam se mover em direção à coletivização dos meios de produção.

Por meio do GAK, podem ser feitos pactos com os produtores, apresentando diferentes opções de relações, dependendo do caso, e podem ser alcançados acordos nos quais a produção e o consumo são progressivamente assumidos em uma base compartilhada. Mas, por meio do consumo, também é possível estabelecer conflitos de luta exigindo certas condições, como mostram os casos históricos do anarco-sindicalismo, como as greves de consumo de pão, os boicotes contra o abuso dos lojistas ou as greves de aluguel.

Questões a serem consideradas para projetos econômicos dentro da CNT. Rumo à construção de uma alternativa econômica ao mercado e ao Estado.

Acreditamos que questões dessa profundidade devem ser o resultado do debate e das contribuições de toda a organização em relação aos projetos econômicos dentro da CNT, tendo consciência de que só alcançaremos o comunismo libertário por meio da revolução social. A título de exemplo, quando falamos de economia, estamos falando da satisfação das necessidades com base nos recursos que temos disponíveis, portanto, o objetivo da atividade econômica não precisa ser necessariamente de natureza monetária. Ou seja, um projeto produtivo pode ser realizado em relação à publicação de livros ou outros materiais para venda, mas também pode ser realizado com o objetivo de fornecer aos sindicatos os materiais que consideramos necessários.

Uma economia coletiva.

Em oposição ao individualismo, uma das características essenciais do capitalismo. Todas as outras bases devem ser construídas sobre essa lógica do coletivo. Essa opção não deve prejudicar o respeito ao indivíduo e o livre desenvolvimento de sua personalidade e criatividade em coexistência com a dos demais.

Consenso sobre os princípios básicos:

Estabelecer bases claras e escritas, que não precisem ser constantemente discutidas e que não dêem margem a infinitas interpretações. Isso implica aprofundar as questões básicas do projeto até que se chegue a um consenso. As pessoas que desejam participar do projeto devem se conhecer previamente.

Atender às necessidades básicas como objetivo:

Começar com um estudo das necessidades básicas (materiais e não materiais) a serem atendidas, pois o planejamento deve ser baseado nelas. O planejamento implica não apenas o quê e quando, mas também quem e como e, portanto, o treinamento prévio sobre os conhecimentos e as habilidades práticas necessárias. A cobertura das necessidades básicas implica a renúncia às necessidades supérfluas (sejam elas dos próprios membros ou de terceiros, no caso de produção externa).

Avaliações periódicas são essenciais para garantir que o planejamento seja adaptado à realidade e que a experiência acumulada seja bem utilizada. Não apenas as atividades planejadas devem ser avaliadas em relação a seus objetivos de curto prazo, mas também para ver até que ponto elas estão de acordo com os princípios, táticas e objetivos da CNT e seu impacto na atividade do sindicato. Por fim, é sempre necessário replanejar de acordo com os resultados das avaliações.

Autogestão:

A independência de todas as formas de poder é a consequência de uma atitude que deve estar presente em qualquer projeto alternativo ao sistema dominante: estar constantemente contra o poder. A tomada de decisões deve ser feita em assembleias por aqueles que fazem parte do projeto. Mas o assembleísmo não está, por si só, isento de formas de poder. Para que seja possível decidir em pé de igualdade, é necessário ter formas de comunicação em que todos tenham acesso às informações. Não há horizontalidade quando as decisões são iguais, mas a participação não é, pois algumas pessoas decidem o que as outras devem fazer.

A autogestão não é apenas decidir, é também fazer. Embora todos devam estar envolvidos na tomada de uma decisão na medida em que ela os afete em questões fundamentais, o sindicato tem a palavra final.

Aprendizado ao longo da vida:

O grau de experiência e conhecimento afeta todas as outras bases levantadas: desde como as decisões são tomadas até nossa relação com o meio ambiente.

É essencial criar espaços para a aprendizagem coletiva ou, melhor ainda, que a possibilidade de aprendizagem seja facilitada durante o desenvolvimento das próprias atividades (isso deve ser levado em conta no planejamento dessas atividades) e levada a todos os campos de forma transversal.

Atividade não especulativa:

qualquer atividade intermediária com caráter lucrativo é contrária à ação direta e não é de caráter econômico, mas especulativo. Por tanto a CNT não participa dela. (O transporte é uma atividade econômica).

Estabilidade independente do crescimento

Ao contrário do capitalismo, não se deve exigir crescimento constante para sobreviver. Isso significa eliminar a obsessão com o crescimento quantitativo e pensar mais em termos de multiplicação de iniciativas e sua federação, bem como o crescimento qualitativo em termos de colocar os princípios básicos em prática.

Acesso aos meios de produção

Os meios de produção não são apenas materiais, mas também o conhecimento, as relações, etc. Uma economia alternativa não pode se basear em pegar os meios de produção tradicionais do desenvolvimentismo capitalista e simplesmente colocá-los em outras mãos (por exemplo, não faria sentido autogerir as necessidades de energia ocupando uma usina nuclear). Há meios de produção que precisam ser reapropriados porque estão nas mãos das classes dominantes, e outros que precisam ser reapropriados porque foram desvalorizados e condenados ao esquecimento. Assim, a correlação de forças deve ser alterada para que se assuma o controle dos recursos naturais, mas outros meios de produção, como o conhecimento da natureza ou a capacidade de autossuficiência, também devem ser tomados.

O conhecimento da natureza ou a capacidade de auto-organização exigem grupos de aprendizagem coletiva para recuperar o conhecimento camponês secular adaptado às realidades locais e à memória histórica das lutas de nossa organização.

Preferência pelo uso de tecnologias simples.

A tecnologia usada não deve gerar novas necessidades ou dependências. No grau de eficiência (resultados obtidos entre os recursos utilizados), devemos incluir nos resultados os efeitos indesejados e o tipo de organização social que ele reproduz e, nos recursos utilizados, não apenas o momento de seu uso, mas também o encadeamento/acúmulo de custos reais anteriores. É essencial recuperar o conhecimento válido em termos de autonomia e eficiência de outras épocas e culturas e conceber (não idealizar) formas diferentes de produzir. O uso de outras tecnologias deve ser baseado em um estudo fundamentado de suas repercussões, e seu uso não está excluído.

Relação equilibrada com a natureza:

Começa levando em conta o custo ecológico real do que é produzido. Por um lado, o consumo de matérias-primas e energia para todo o processo deve respeitar a capacidade de regeneração dos recursos naturais que utiliza. Por outro lado, devemos estar cientes dos efeitos indesejáveis e da deterioração que nossa atividade econômica causar à autorregulação do sistema natural. O sistema natural deve ser restaurado, principalmente porque ele é, em última análise, a fonte de tudo o que é necessário para a vida e sua reprodução.

Interação com o contexto social.

Um projeto não pode ser fechado, mas deve transcender o resto da sociedade. Da mesma forma, dado que o capitalismo não é apenas um sistema econômico, mas que a dominação se estende a todos os aspectos da vida social, é necessário inserir essa luta econômica nos processos mais amplos de luta que a CNT mantém.

A tendência natural, com base em nossos objetivos, é dispensar gradualmente a relação com o mercado capitalista.

Participar de redes econômicas de apoio mútuo.

É muito difícil para um projeto isolado atender a todas as suas necessidades. Portanto, no futuro, é essencial coordená-las por meio de canais orgânicos e criar alianças com outros projetos, federações, pessoas e grupos com ideias semelhantes, ampliando o apoio mútuo.

Influência do não econômico sobre o econômico.

O econômico não é tudo. Há questões que afetam a economia e que não podem ser resolvidas pela economia. Sem uma mudança na cultura, nos valores, na consciência e nas formas de se relacionar com os outros, nenhuma alternativa de longo alcance será viável. Para alcançar o bem-estar pessoal e coletivo, é preciso haver equilíbrio entre o que pensamos, o que sentimos e o que fazemos.

A exceção não faz a regra.

Há ocasiões em que, na prática, não há alternativa a não ser não cumprir com uma ou mais das bases acima. Essas decisões não precisam afetar o futuro do projeto se forem tomadas em sã consciência e com o conhecimento do sindicato.

Elas não devem criar um precedente e não devem se tornar uma questão natural. Também é essencial que elas sejam acompanhadas de um compromisso de buscar outras soluções consistentes com os princípios da organização para a próxima vez que tais situações surgirem. Isso é particularmente importante quando se propõe começar de uma maneira e depois passar gradualmente a fazer as coisas de forma diferente. Gradualmente, passando a fazer as coisas da forma como realmente queremos fazê-las.

Que funcione:

Ou seja, que atenda aos objetivos estabelecidos pela organização. Quando não funciona, não devemos desanimar, mas sim estudar se a falha está na formulação do projeto em si (bases, planejamento) ou se é o desenvolvimento do projeto que está falhando.


Sabedoria do Povo é um projeto de produção de conteúdo formativo sobre sindicalismo revolucionário. Contato: sabedoriadopovo@protonmail.com Quem sabe este projeto solitário não vira algo maior.