Desmistificando a burocracia

07/04/2025

Introdução

A palavra “burocracia” frequentemente evoca imagens de pilhas intermináveis de papéis, processos lentos e uma aversão geral à mudança. No entanto, é crucial desmistificar a ideia de que a burocracia é inerentemente ruim. Neste primeiro post, quero explorar o conceito de burocracia, diferenciando o “red tape” (burocracia que atrapalha) do “green tape” (burocracia eficaz) e como este último pode servir como um valioso conhecimento institucional, impulsionando as organizações em direção aos seus objetivos.

Red Tape vs. Green Tape

A burocracia é um sistema administrativo fundamentado em regras e procedimentos formais. Essa formalidade, em teoria, visa garantir a consistência, a imparcialidade e a previsibilidade nos processos organizacionais, sejam eles governamentais ou empresariais. No entanto, quando essas regras e procedimentos se tornam excessivos, complexos e desnecessários, a burocracia evolui para o que chamamos de “red tape”, a burocracia excessiva, caracterizada por regras complexas e desnecessárias que impedem a eficiência e a agilidade.

Embora o termo “red tape” não tenha um equivalente direto e único em português, a palavra “burocracia” frequentemente carrega essa conotação negativa em nosso idioma. Quando dizemos que algo é “burocrático demais”, geralmente estamos nos referindo à existência de processos lentos, complexos e com exigências exageradas.

Em contraposição, a pesquisadora Leisha DeHart-Davis nos presenteia com o conceito de “green tape”, que representa o lado positivo e produtivo da formalização. Em vez de ser um entrave, o “green tape” atua como um facilitador. Fornece estrutura para o bom andamento dos processos institucionais.

No contexto organizacional, o “green tape” se manifesta em regras e procedimentos que, embora formais, são intrinsecamente eficazes e agregam valor real. Eles não existem apenas por existir, mas sim para otimizar processos, minimizar riscos e garantir que todos estejam “na mesma página”. Ela integra conhecimento aos procedimentos institucionais. Imagine um processo de gestão de mudanças em TI bem definido: ele envolve etapas claras de avaliação, aprovação e implementação, o que garante que as mudanças sejam feitas de forma controlada, evitando interrupções inesperadas e potenciais problemas de segurança. Isso seria um exemplo de “green tape” em ação.

A grande diferença entre “red tape” e “green tape” reside, portanto, no impacto e na finalidade das regras. Enquanto o “red tape” se caracteriza pela complexidade desnecessária, pela falta de clareza e pelo desalinhamento com os objetivos organizacionais, o “green tape” é marcado pela clareza, concisão e alinhamento estratégico. As regras de “green tape” são fáceis de entender, de seguir e contribuem diretamente para o bom funcionamento da organização.

Burocracia como Conhecimento Institucional

A ideia de que a burocracia, em sua essência, pode ser vista como um repositório de conhecimento institucional é fundamental. Cada regra, cada procedimento formal, pode ser interpretado como a cristalização de aprendizados passados, de soluções que funcionaram em determinados contextos e da formalização de melhores práticas identificadas ao longo do tempo. Pense em um manual de procedimentos operacionais padrão (POPs) em uma área crítica: ele representa o conhecimento acumulado sobre como executar tarefas de maneira segura e eficiente. Quando bem elaborado e mantido, esse “conhecimento burocrático” se torna um ativo valioso, garantindo a consistência e a qualidade das operações.

Por isso, a analogia com o conhecimento é extremamente pertinente, especialmente no que diz respeito à sua validade e aplicabilidade. Assim como um conhecimento técnico específico pode se tornar obsoleto com o avanço da tecnologia, uma regra burocrática criada em um determinado contexto pode perder sua razão de ser ou até mesmo se tornar um obstáculo quando o cenário muda. Em um ambiente de negócios dinâmico e em constante evolução, a rigidez excessiva da burocracia pode impedir a adaptação e a inovação.

Uma regra criada para solucionar um problema pontual em um determinado setor ou para lidar com uma exceção pode, quando aplicada indiscriminadamente em toda a organização, gerar ineficiência e frustração. Uma solução eficaz para um problema específico pode ter consequências desastrosas quando aplicada fora do seu contexto original. Em TI, por exemplo, uma política de segurança muito restritiva implementada para proteger dados altamente sensíveis pode, se aplicada a todos os tipos de informação e a todos os usuários, prejudicar a colaboração e a agilidade.

Essa questão da generalização indevida muitas vezes decorre de uma falta de revisão e de um entendimento superficial do propósito original da regra. A pressão por uniformidade pode levar à aplicação de “tamanho único” para situações que demandam abordagens mais diferenciadas e flexíveis.

Outra fonte comum de “red tape” é a falta de atualização das regras formais. O ambiente de negócios, a tecnologia e as regulamentações estão em constante mudança. Regras que faziam sentido em um determinado momento podem se tornar obsoletas, ineficientes ou até mesmo contraproducentes com o tempo. Vejo isso na adoção de processos digitais que mantém ações que só faziam sentido na época dos processos físicos, como o “Termo de remessa”. Hora, o sistema digital já registra a movimentação do processo com data, hora, minuto e, até, segundos. A ausência de mecanismos de revisão e atualização periódica leva ao acúmulo de normas desatualizadas que apenas consomem tempo e recursos, sem agregar valor.

Para transformar a burocracia de um potencial “red tape” em um valioso “green tape”, é essencial adotá-la como um conhecimento institucional vivo e dinâmico. Isso implica em:

Ao adotar essa perspectiva, a burocracia pode deixar de ser vista como um fardo e se tornar um guia estratégico, incorporando a sabedoria coletiva da organização de forma adaptável e eficiente.

Conclusão

Desmistificando a visão negativa da burocracia, percebemos que, ao adotar os princípios do “green tape” e valorizar as regras e os procedimentos como conhecimento institucional vivo, as organizações desbloqueiam um potencial significativo. Em vez de um obstáculo, uma burocracia bem estruturada e adaptável torna-se um motor de eficiência, um pilar de conformidade e, fundamentalmente, uma força propulsora para alcançar os objetivos organizacionais com maior segurança e assertividade.

Que o “green tape” esteja com você!