title: “A dor e o nosso corpo” date: “2012-03-16” tags: – “artigos”


Envelhecer, doenças e momentos de dor estão intrínsecos à vida de todos. Dor física vem em muitas formas — algumas são crônicas, outras temporárias, algumas inevitáveis. Nossa primeira resposta é resistir a ela. Temos muitas estratégias para afastar a dor, para evitá-la, ou camuflar com distração. Aversão, terror, e agitação se entrelaçam com experiência em nossos corpos e ficamos facilmente perdidos em medo e desespero. Nossos corpos talvez até sejam vistos como inimigos, sabotando nosso bem-estar e felicidade. Quando estamos enredados nesse nó de medo e resistência, há pouco espaço para que a cura ou atenção compassiva ocorram.

Ainda podemos aprender a tocar o desconforto e a dor com uma atenção que é amável, aceitável e espaçosa. Podemos aprender a fazer amizade com os nossos corpos, mesmo nos momentos quando estão aflitos e desconfortáveis. Podemos descobrir que é possível liberar a aversão e o medo. Com cuidado e atenção curiosa, podemos ver que há uma diferença entre as sensações ocorrendo no corpo e os pensamentos e emoções que reagem a essas sensações. Em vez de correr do sofrimento, podemos criar uma atenção curiosa e cuidadosa no coração da dor. Fazendo isso, descobrimos que nosso bem-estar e equilíbrio interno não são mais sabotados. Desistindo de nossa resistência, descobrimos que a dor não é mais intimidadora e insuportável.

Ninguém dirá que aprender a trabalhar habilmente com a dor é uma tarefa fácil, ou que a meditação é uma maneira de curar a dor e fazê-la sumir. Algumas vezes estamos sobrecarregados e podemos aprender a aceitar isso também. No momento onde a intensidade da dor parece insuportável é normal conectar nossa atenção a um foco mais simples como respirar ou escutar por um tempo. Quando nossos corações e mentes acalmarem e sentirem mais vastos, é o momento certo para retornar a atenção para as áreas de dor no corpo.

Também há épocas em que é possível dissolver as camadas de tensão e medo que se juntam em volta da dor e abraçá-la com maior espaço e facilidade. Podemos até descobrir um equilíbrio interno profundo e serenidade no meio do sofrimento. Esses são momento de grande possibilidade e força. Trabalhando com a dor, aprendendo a aceitar e a abraçá-la, é uma prática de momento-a-momento em que liberamos desamparo, desespero e medo. Isso é a cura em si e nos ensina a maneira de encontrar paz e liberdade dentro dos acontecimentos que mudam em nossos corpos.

Contador de história
Quando a dor ou a angústia aparecem em nossos corpos, nossa reação condicionada é fixá-las e solidificá-las com conceitos. Dizemos “meu joelho”, “minhas costas”, “minha doença”, e as comportas de apreensão são abertas.
Prevemos um futuro sombrio para nós mesmos, sentimos medo da intensificação da dor, e às vezes nos dissolvemos em desamparo e desespero. Nossos conceitos servem para tornar a dor mais rígida e para enfraquecer nossa capacidade de responder habilmente. Ficamos presos na tensão de querer nos divorciar de um corpo angustiante enquanto a intensidade da dor continua nos levando de volta a nossos corpos.

A meditação oferece uma maneira muito diferente de responder à dor física. Em vez de empregar estratégias para evitá-la, aprendemos a investigar o que na verdade está sendo experimentado dentro do corpo calma e curiosamente. Podemos trazer uma compassiva e aceitável atenção diretamente ao centro da dor. Esse é o primeiro passo em direção à cura e liberar a agitação e o pavor que geralmente intensificam a dor.

Levando nossa atenção diretamente à dor, descobrimos que a dor que tínhamos previamente percebido como uma massa sólida de desconforto é na verdade muito diferente. Sensações estão mudando de momento a momento. E há texturas diferentes dentro dessas sensações — aperto, pressão, calor, ardor, coceira, dor… Quando perguntamos “O que é isso” o rótulo “dor” se torna cada vez mais sem sentido.

Dentro de toda dor e angústia descobrimos que há dois níveis de experiência. Uma delas é a verdade simples da sensação, sentimento, ou dor, e a outra é nossa história de medo que a rodeia. Esquecendo a história, estamos cada vez mais capazes de nos conectar com a verdade simples da dor. Descobrimos que pode ser possível achar calma e paz mesmo no meio da angústia.

O fator medo
Dor no corpo, particularmente crônica e aguda, tem um impacto emocional inevitável que pode ser igualmente debilitante. Culpa, medo, auto-condenação, desespero, ansiedade e terror podem surgir na sequência da doença física e se enraizar no corpo, ainda dificultar a nossa capacidade de curar e encontrar tranquilidade. Nossas reações emocionais de medo e resistência geralmente se alojam em nossos corpos ao lado da dor, ao ponto de se tornarem imperceptíveis.
Aprendendo a notar a distinção entre dor e nossa reação a ela, começamos a ver que embora a dor física possa não ser opcional, algumas das dores de nossas reações são. O desejo natural de evitar dor é traduzido em nossas mentes e corações em turbulêncis e ansiedade, e nosso senso de equilíbrio interno é varrido na avalanche desses sentimentos. Mesmo quando temos a sorte de nosso corpo se recuperar, sem consciência as emoções associadas com a doença ou dor ficam muito mais tempo em nossos corpos e mentes. Podemos começar a viver de uma maneira medrosa, tratando cada sensação desagradável como uma mensageira de ruína, assumindo como sinais de retorno da dor ou da doença. O dano que fazemos a nós mesmos ignorando o impacto de nossas reações emocionais compõe nossa tendência em se sentir ansioso e temeroso.
Há uma ótima arte em aprender a estar presente com dor, como ela é, no momento quando aparece. Mas com consciência, podemos aprender a fazer as pazes com a dor. Podemos aprender a estar presente um momento de cada vez e então nos liberar do pavor do que o momento seguinte pode trazer. Podemos aprender a bondade da aceitação em vez da dureza da negação
Extraído de Christina Feldman Heart of Wisdom, Mind of Calm, de Christina Feldman. Texto retirado da revista: Yoga Journal Brasil.

Emanoel Lopes