Mastodon na Alemanha: exemplo para o Brasil?

Em space inédito das instâncias brasileiras do Mastodon, surge uma questão: seria interessante para o governo brasileiro criar a sua própria instância no Mastodon? A Alemanha oferece um caso importante para a nossa análise.

foto da sede do BfDI Neste dia 28 de abril (uma data bem legal, pois nesse mesmo dia, em 1945, Mussolini era executado e pendurado por partisans antifascistas), a administradora da instância de esquerda, Ursal, promoveu um Space, por meio da plataforma Audon Space, no qual participaram vários membros da instância e de outras instâncias brasileiras, inclusive o administrador da Bolha.

Em determinado momento os administradores das instâncias conversavam sobre a possibilidade de os órgãos de comunicação do governo federal brasileiro, ministérios e autoridades, fundarem sua própria instância no Mastodon, deixando de depender, gerar conteúdo e engajar usuários para as plataformas de capitalistas do vale do silício.

Logo um usuário pensou em uma questão muito pertinente, um problema real: uma instância governamental brasileira poderia sofrer uma terrível influência em uma eventual mudança de governo (cabe ressaltar que o governo de extrema direita brasileiro de 2019-2022 estava em plena consonância com a disseminação de notícias falsas e discurso de ódio, fartamente disseminados no Twitter, Facebook e Youtube).

Foi por isso que pedi a palavra para dar como exemplo o caso do governo alemão. Visto que naquele País existe um órgão independente, não submetido à supervisão do governo (uma espécie de autarquia federal autônoma), que tem por função a proteção de dados e a liberdade de informação, que hospeda uma instância no Mastodon. Tal iniciativa poderia muito bem ser implantada por aqui. Descrevo abaixo as informações que consegui recolher.

Autoridades do Governo Federal Alemão no Mastodon

Segundo a Wikipedia, o Comissário Federal para Proteção de Dados e Liberdade de Informação (BfDI) é uma autoridade federal suprema independente para proteção de dados e liberdade de informação. Sua sede é em Bonn, no distrito de Castell.

Nesta função no sistema federal da Alemanha, ele é de acordo com a Seção 9 da Lei Federal de Proteção de Dados responsável pelo monitoramento da proteção de dados em órgãos públicos federais e em empresas que fornecem serviços de telecomunicações e correios (BDSG). Desde que a Lei Federal de Liberdade de Informação entrou em vigor em 1º de janeiro de 2006, ele também passou a ser Comissário Federal para Liberdade de Informação.

O Comissário Federal para Proteção de Dados e Liberdade de Informação é indicado pelo Governo Federal e eleito pelo Bundestag (parlamento alemão). O mandato é de cinco anos. Ele pode ser reeleito uma vez.

O Comissário Federal monitora a conformidade com as normas de proteção de dados das autoridades federais, outros órgãos públicos do governo federal, bem como empresas de telecomunicações e serviços postais. Além disso suas atribuições incluem proteção de dados tecnológicos, telecomunicações, telemídia e serviços de mensagens.

O atual comissário federal de proteção de dados, Ulrich Kelber, defende que o governo federal desenvolva suas próprias capacidades na área de mídias sociais favoráveis ​​à proteção de dados. Recentemente elaborou um relatório de atividades de sua autoridade, convocando o Centro Federal de Tecnologia da Informação (ITZ Bund) para operar uma instância federal como alternativa gratuita ao Twitter, no Mastodon.

Kelber é considerado um crítico severo das principais plataformas comerciais de mídia social. Além do Twitter, ele está de olho no Facebook em particular. Kelber enfatizou que a operação de uma página de fãs no Facebook não é possível para uma autoridade em conformidade com a proteção de dados.

Já em meados de fevereiro, ele havia instruído a Assessoria de Imprensa Federal (ABP) a parar de operar a fanpage do governo federal no Facebook.

Kelber enfatiza no relatório achar importante o seguinte:

que as mais altas autoridades federais, em particular, deem um bom exemplo e usem as mídias sociais legalmente compatíveis

Quando pensamos na possibilidade de sucesso do Mastodon no Brasil, temos que ter em mente que os principais atores da política, da ciência e da sociedade civil, que se conectam, debatem e divulgam notícias exclusivas, são decisivos para o significado social de uma plataforma.

Se o Mastodon poderá assumir esse papel, isso dependerá de quantas contas importantes chegarão e permanecerão na plataforma.

Na Alemanha há indícios de que isso pode ocorrer:

Além do próprio BfDI, com seus 42 mil seguidores, e do atual Comissário, com 12 mil seguidores, vários ministérios federais alemães já estão com o Mastodon, dentre outros:

No caso dos políticos, são principalmente as pessoas com experiência em rede que ousaram pular para o Mastodon, por exemplo, Saskia Esken (SPD), Konstantin von Notz (Verdes), Anke Domscheit-Berg (Esquerda).

Algumas universidades alemãs estão no Mastodon há algum tempo, a Universidade de Mannheim desde abril de 2022, a Universidade de Freiburg desde 2021, a Universidade de Ulm desde 2020.

Já possuímos as bases legais

A Lei brasileira do Marco Civil da Internet estabelece uma série de princípios e conteúdos programáticos para o uso da internet pelas autoridades governamentais da União, Estados, Municípios e DF.

Como fundamentos e princípios, dentre vários, destaco a liberdade de expressão, os direitos humanos, exercício da cidadania em meios digitais, abertura e colaboração, livre concorrência, proteção da privacidade, proteção dos dados pessoais e a finalidade social da rede.

Dito isso, acho que órgãos oficiais de comunicação do governo, o próprio Presidente da República, não deveriam estar em uma rede social como o Twitter, que promoveu uma série de mudanças abruptas e arbitrárias que violaram a liberdade de expressão (inclusive com banimento de jornalistas e escárnio com a imprensa) e a todos os demais princípios esposados acima.

Inclusive foi o que motivou o Governo Alemão a abrir uma instância própria no Mastodon para a comunicação do governo, bem como de autoridades governamentais. Foi o que levou a autoridade em assuntos de internet a requerer que a Comissão Europeia supervisionasse o Twitter com base em comportamentos anticompetitivos e de ameaça a liberdade de expressão.

A legislação brasileira é bem importante e representa um avanço, mas precisa ser observada e colocada em prática.